A política como psicóloga da sociedade

A política é a guerra de ideias, na tentativa de se evitar a guerra entre os corpos. Desse ponto de vista um tanto hobbesiano, toda violência surge do fracasso da política. O discurso político é (ou devia ser) o discurso que se obriga a ouvir seus opostos. Seria difícil atribuir a qualquer outro exercício humano de poder tamanha virtude moral. 

Mas a realidade é um tanto mais complicada do que essas formulações bonitas. Na prática, o uso do discurso político pelos nossos amados atores da política institucional, também conhecidos como políticos profissionais, não passa de maquiagem para a manutenção da concentração de capital (nas diferentes acepções do termo) e de privilégios. Incapazes de competir com o senso moral mais básico de que "é bom que a sociedade possa contemplar a maior quantidade possível de interesses", a ideologia dominante (agora no sentido marxista do termo) tenta a todo custo monopolizar o discurso político, geralmente incutindo num, ou em muitos grupos adversários o pecado original. Assim, exterminando o adversário, se extermina o pecado. 

Não se enganem, existe um Hitler em cada esquina, ou mais de um. Não... Existe um Hitler em cada um de nós... Ah, maldita Lei de Godwin.

Ora, mas não é a luta pela supremacia sobre o outro o próprio pecado original que gera a política? A política nasce da existência de um princípio excludente que dificulte a convivência entre os diferentes (propriedade, classe, casta, religião, etc), sendo necessária uma eterna negociação de paz. Ou, no jargão filosófico, diferentes potencias em disputa para se afirmar no mundo. O fim desse pecado original é o fim da necessidade da política... e de psicólogos quiçá! Nesse ponto, dou razão ao patrono norte americano que disse que o preço da liberdade é a eterna vigilância, afinal, esse tal pecado original está em nós, filhos de uma sociedade capitalista, tanto quanto o da Bíblia está em Adão e Eva. 

Em outras palavras, a finalidade ideal da política é acabar com a necessidade dela mesma através da mediação dos conflitos; a finalidade prática é manter os dominados não tão dominados a ponto de se rebelarem, nem tão poderosos a ponto de deixarem de ser dominados. Um mundo sem conflito, sem dominação e sem a exclusão do outro não precisa de política. Eis a utopia comunista.

Assim, a política nos aparece como uma espécie de psicólogo macrossocial, que surge para tratar dos nossos conflitos mal resolvidos enquanto espécie e sociedade. Seu tratamento só acaba quando atestarmos que não precisamos mais dela para enfim podermos nos relacionar saudavelmente uns com os outros. Fazendo jus à classe, a política também cobra altos itinerários por poucas horas de conversa, muitas vezes fiada.

Quebra de tensão sem nenhuma finalidade argumentativa.

Sendo o ser humano o que é, sempre haverão guerras a serem evitadas e conflitos a serem resolvidos. Creio que no momento em que não houverem tais problemas, a humanidade terá desaparecido, ou para dar lugar a algo melhor, ou apenas desaparecido. Para evitar conflitos e a necessidade de suas resoluções, só mesmo vivendo isolados, e já dizia Aristóteles que aquele que é autossuficiente e não precisa da pólis para viver, já não é homem, mas animal ou deus. Qual caminho seguiremos? Quem sabe? Talvez nenhum.

A menos que a humanidade se destrua, os políticos e psicólogos podem ficar tranquilos, não estarão desempregados tão cedo.

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