Tente ver o mundo com os olhos dos humanos primitivos, nossos ancestrais. Grandes macacos sem rabo, excepcionalmente dotados de inteligência e completamente jogados no mundo, desenvolvendo linguagem, dando nome às coisas, caçando animais e sendo caçados, vendo o sol nascer e se pôr, a chuva cair, relâmpagos cortando o céu, sentindo frio e calor, vendo estrelas brilharem, seus companheiros morrerem, árvores darem frutos. Certamente este mundo pareceria um lugar mágico, cheio de seres e forças que estão muito além de nossa ainda débil compreensão, certamente estavam completamente aterrorizados por essas forças que nos governam, forças de caprichos insondáveis, que precisam ser entendidas, agradadas e pacificadas. Para esse fim surgiram as mitologias e os rituais.
Não acho que poderia ser de outra forma nossa primeira tentativa de conhecer o mundo. Deuses, foi como chamamos essas forças e seres que faziam parte da nossa vida e não sabíamos explicar. Em uma frase, os deuses são os mistérios que não desvendamos. Quando os explicamos, deixam de ser deuses, viram ciência.
No direito, chamam de "poder constituinte originário" o poder que cria as leis (a Constituição) que vão reger um Estado. Esse poder, basicamente, não tem limites, pode colocar como lei tudo aquilo que julgar necessário, não há nenhuma poder legal anterior ou acima deste. A religião é uma espécie de poder constituinte originário da cultura humana. É o que estabelece inicialmente o que é verdade e o que é mentira, o que é certo o que é errado e como devemos viver. Não há nada que limite as respostas iniciais que serão dadas pelas diferentes culturas humanas acerca do Universo. Nada mesmo, dou exemplos.
Os hindus acreditam que no princípio havia uma flor de Lótus, esta desabrochou e lá dentro estava Brahma, o Todo-Poderoso, que, sentindo-se só, criou o universo através de sua meditação. Para os gregos a terra (Gaia) havia simplesmente surgido do caos, e passou a gerar filhos espontaneamente, ela casa-se com um desses filhos e dá início a uma interminável confusão familiar, com direito a castração do pai pelo filho e tudo. Para os nórdicos, havia um grande vazio, cercado por um mundo de gelo e um de fogo, e do choque desses mundo surgiu um gigante (Ymir) e uma vaca que o alimentava (?!), pulando alguns acontecimentos, nosso mundo é o cadáver desse gigante. Os judeus diziam que havia um deus só, que pairava sobre as águas que sairam ninguém sabe de onde e que, apesar de ter criado tudo, tinha uma predileção muito estranha pelos descendentes de Abraão, que, para enorme surpresa de todos, eram eles próprios. Qual desses povos estava certo? Nenhum e todos.
Cada povo usou seu "poder religioso originário" para inventar sua própria historinha que se adequasse às suas próprias necessidades e suas próprias realidades. Cada religião diz respeito muito mais ao povo que a criou do que ao Universo em si. Cada cultura humana pensava a si própria como o centro do Universo, e suas características culturais, econômicas e geográficas eram refletidas no mundo dos deuses.
No direito, chamam de "poder constituinte originário" o poder que cria as leis (a Constituição) que vão reger um Estado. Esse poder, basicamente, não tem limites, pode colocar como lei tudo aquilo que julgar necessário, não há nenhuma poder legal anterior ou acima deste. A religião é uma espécie de poder constituinte originário da cultura humana. É o que estabelece inicialmente o que é verdade e o que é mentira, o que é certo o que é errado e como devemos viver. Não há nada que limite as respostas iniciais que serão dadas pelas diferentes culturas humanas acerca do Universo. Nada mesmo, dou exemplos.
Os hindus acreditam que no princípio havia uma flor de Lótus, esta desabrochou e lá dentro estava Brahma, o Todo-Poderoso, que, sentindo-se só, criou o universo através de sua meditação. Para os gregos a terra (Gaia) havia simplesmente surgido do caos, e passou a gerar filhos espontaneamente, ela casa-se com um desses filhos e dá início a uma interminável confusão familiar, com direito a castração do pai pelo filho e tudo. Para os nórdicos, havia um grande vazio, cercado por um mundo de gelo e um de fogo, e do choque desses mundo surgiu um gigante (Ymir) e uma vaca que o alimentava (?!), pulando alguns acontecimentos, nosso mundo é o cadáver desse gigante. Os judeus diziam que havia um deus só, que pairava sobre as águas que sairam ninguém sabe de onde e que, apesar de ter criado tudo, tinha uma predileção muito estranha pelos descendentes de Abraão, que, para enorme surpresa de todos, eram eles próprios. Qual desses povos estava certo? Nenhum e todos.
Cada povo usou seu "poder religioso originário" para inventar sua própria historinha que se adequasse às suas próprias necessidades e suas próprias realidades. Cada religião diz respeito muito mais ao povo que a criou do que ao Universo em si. Cada cultura humana pensava a si própria como o centro do Universo, e suas características culturais, econômicas e geográficas eram refletidas no mundo dos deuses.
Algumas coisas a comédia explica melhor que a ciência
Todo nosso conhecimento nasce dessa primeira tentativa de explicar o Universo e o lugar do ser humano nele. Foi o que nossos ancestrais conseguiram fazer com o que tinham, e não me entendam mal, sob algumas perspectivas o conhecimento mitológico é lindo e edificante. Mas ele é o que é: a tentativa primeira dos humanos - mais uma espécie em meio a milhões de outras - de se encontrar num universo mágico e misterioso.
Não é à toa que é no século XIX, quando a ciência, como a conhecemos hoje, começa a se estabelecer, que surgem termos como "desencantamento do mundo" e a "morte de Deus". O mundo deixava de ser esse lugar mágico e desconhecido. Pela primeira vez passamos a ter meios de conhecer o mundo que excluíssem e contradissessem a magia mitológica, o mundo pode ser medido, descrito e experimentado. Deus perdeu o emprego. Virou o ópio do povo, literalmente comparável a uma droga.
Não acabaram as grandes questões, essas continuam bem vivas e hão de continuar, mas morreram as respostas fáceis tiradas da bunda por nossos tatataravós aterrorizados com o mundo. E é isso que as religiões atualmente veneram, cadáveres de ideias que há muito perderam sua razão de ser.
*Originalmente o título do post seria algo como "A religião como poder constituinte originário de uma cultura". Ainda acho que esse trocadilho com o termo jurídico expressaria melhor a intenção do texto, mas para não afugentar os potenciais leitores, optei pelo clickbait.
Todo nosso conhecimento nasce dessa primeira tentativa de explicar o Universo e o lugar do ser humano nele. Foi o que nossos ancestrais conseguiram fazer com o que tinham, e não me entendam mal, sob algumas perspectivas o conhecimento mitológico é lindo e edificante. Mas ele é o que é: a tentativa primeira dos humanos - mais uma espécie em meio a milhões de outras - de se encontrar num universo mágico e misterioso.
Não é à toa que é no século XIX, quando a ciência, como a conhecemos hoje, começa a se estabelecer, que surgem termos como "desencantamento do mundo" e a "morte de Deus". O mundo deixava de ser esse lugar mágico e desconhecido. Pela primeira vez passamos a ter meios de conhecer o mundo que excluíssem e contradissessem a magia mitológica, o mundo pode ser medido, descrito e experimentado. Deus perdeu o emprego. Virou o ópio do povo, literalmente comparável a uma droga.
Não acabaram as grandes questões, essas continuam bem vivas e hão de continuar, mas morreram as respostas fáceis tiradas da bunda por nossos tatataravós aterrorizados com o mundo. E é isso que as religiões atualmente veneram, cadáveres de ideias que há muito perderam sua razão de ser.
*Originalmente o título do post seria algo como "A religião como poder constituinte originário de uma cultura". Ainda acho que esse trocadilho com o termo jurídico expressaria melhor a intenção do texto, mas para não afugentar os potenciais leitores, optei pelo clickbait.
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