Faz tempo que não escrevo nada aqui, e para manter este blog vivo, nada melhor que concretizar um antigo projeto para ele: falar de filmes. Mas não se enganem, este não é uma crítica de cinema convencional, nem foca as tecnicalidades do gênero, essa não é uma especialidade minha. Há, internet afora, gente muito mais capaz do que eu para falar sobre isso. Os filmes aqui não passam de desculpas, ou melhor, condutores (termo mais bonito) para que eu possa falar do que eu gosto: lero-lero filosófico, esse sim mera desculpa roteirística para que as lutas, o heroísmo, as piadinhas e os efeitos especiais possam passar duas horas sobre o telão. Em outras palavras, vou forçar a barra sob o manto da semiótica e tirar sentido de onde não há nenhum. E nada mais próprio de nosso tempo do que começar a abordar a filosofia nos filmes a partir de um típico filme de super-herói de Hollywood.
Antes de tudo, é preciso que eu diga que apesar de gostar de uma HQ ou outra, ter alguma familiaridade com os universos DC e Marvel, e até assistir a alguns filmes dessas empresas, definitivamente este não é um gênero cinematográfico que eu aprecio. Primeiro pelos reboots infinitos só pra manter grandes franquias (como Batman, Superman, Ex-Man, etc.) lucrando, e os malabarismos, decorrentes deles, para que seus universos fictícios continuem fazendo algum sentido depois de 50, 60, 80 anos de franquia. Segundo porque são típicos filmes feitos para agradar todo mundo, o que acaba esvaziando as histórias. Eles são muitas vezes meras repetições de fórmulas, apostas em efeitos especiais e grandes nomes para... manter grandes franquias lucrando. Ironicamente, foi um desses fatores que me fez assistir Doutor Estranho: ter o talentosíssimo Benedict Cumberbatch no papel principal. Agora sim, vamos lá.
Antes de tudo, é preciso que eu diga que apesar de gostar de uma HQ ou outra, ter alguma familiaridade com os universos DC e Marvel, e até assistir a alguns filmes dessas empresas, definitivamente este não é um gênero cinematográfico que eu aprecio. Primeiro pelos reboots infinitos só pra manter grandes franquias (como Batman, Superman, Ex-Man, etc.) lucrando, e os malabarismos, decorrentes deles, para que seus universos fictícios continuem fazendo algum sentido depois de 50, 60, 80 anos de franquia. Segundo porque são típicos filmes feitos para agradar todo mundo, o que acaba esvaziando as histórias. Eles são muitas vezes meras repetições de fórmulas, apostas em efeitos especiais e grandes nomes para... manter grandes franquias lucrando. Ironicamente, foi um desses fatores que me fez assistir Doutor Estranho: ter o talentosíssimo Benedict Cumberbatch no papel principal. Agora sim, vamos lá.
(Alerta de spoilers) Em "Doutor Estranho", Stephen Strange é um médico cirurgião, bem sucedido, genial e arrogante, que após um acidente fica com as mãos debilitadas, e, portanto, incapaz de exercer sua profissão. Sem esperanças de recuperação através da medicina ocidental, ele busca sua cura no misticismo do Oriente. No Nepal, ele entra para uma ordem de magos - o Kamar-Taj - após ficar impressionado com os poderes da Anciã,
Estranho muntcho louco curtindo um visual em sua bad trip de cogumelo |
Logo ele ouve falar de Kaecilius, um discípulo rebelde da Anciã e vilão do filme. Kaecilius quer se aliar a Dormamu, um ser interdimensional, mestre supremo da "Dimensão Negra", uma dimensão rica em magia e onde não há tempo. Dormamu planeja incorporar à sua dimensão todos os mundos existentes e está de olho na terra. Kaecilius acha que o melhor a fazer é deixar Dormamu levar a terra para a dimensão negra, pois desse modo, fora do tempo, não haveria mais morte. Como o papel do Kamar-Taj é defender a terra de perigos mágicos de outras dimensões, eles lutam contra os planos de Kaecilius. Após meia hora de sequencias de ação, crossovers com o filme Inception e mais piadinhas pop, Kaecilius mata a Anciã e invoca Dormamu. Dr Estranho usa o Olho de Agamotto para voltar no tempo e impedir Dormamu de invadir a terra, depois ele voa até a Dimensão Negra com sua capa - que também é piadista - para negociar com Dormamu. Para tal, Doutor o prende num loop temporal: sempre que Dormamu Mata Estranho o loop é ativado. Então, após matar o Dr de todas as formas possíveis e mais piadinhas, ele finalmente se dá por vencido e concorda em não invadir a Terra caso Estranho o livre do maldito loop temporal. Kaecilius e seus seguidores são sugados para a dimensão negra e a Terra está salva.
Só faltou o Leonardo DiCaprio nessa cena |
Ao fim, Mordo, um dos magos do
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Doutor Estranho é um filme repleto de grandes dilemas morais mal desenvolvidos ao longo do filme. A primeira grande questão a aparecer no filme é: para que serve o conhecimento? Antes de abrir sua mente para as artes místicas, Stephen Strange era completamente voltado para si, exercia sua profissão de cirurgião não pensando nas vidas que salvava, mas escolhia seus pacientes pensando na repercussão que o caso tratado teria no seu currículo impecável. Após se tornar um mago e curar suas mãos, escolhe defender a Terra ao invés de retornar à sua antiga profissão, pois percebe que ali ele seria muito mais útil para a humanidade, embora o retorno em glórias pessoais fosse mínimo, já que os magos agem nas sombras. O que está implícito aí é a crítica à modernidade capitalista: na vida social complexa e intensa nos esquecemos do que realmente importa, e é preciso repensar nosso lugar na ordem das coisas.
Porém a grande temática, que permeia todo o roteiro, é a morte (eu poderia dizer o tempo, mas o tempo e a morte aqui aparecem quase como equivalentes: o tempo é aquilo que traz a decadência e a morte). Estranho se torna um mago e uma pessoa melhor após quase morrer, ou pelo menos morrer como cirurgião. Kaecilius, indignado com a morte de sua família, busca um mundo onde não exista morte, mesmo que isso signifique levar a Terra para uma dimensão suspeita governada por um ser supremo mais suspeito ainda. A Anciã prolongava sua vida para poder proteger a Terra, ainda que para isso precisasse drenar magia da Dimensão Negra. A grande questão é: vale tudo pela imortalidade, ou pelo menos pela prolongação da vida? O instinto mais básico da vida é evitar a morte e tentar se prolongar, sobreviver. Toda sociedade humana se desenvolve na tentativa de desenvolver uma vida mais segura, longa e próspera para seus indivíduos. Então, qual a fronteira moral para nossa busca pela imortalidade? Será salvar a vida de um doente? Será prolongar a própria vida através de métodos questionáveis ainda que por uma boa intenção? submeter o planeta a um poderosíssimo ser interdimensional com um nome maléfico e mal aparentado? O filme apresenta algumas perspectivas morais para esse problema que estão bem presentes na nossa tradição filosófica.
Mordo, vilão do próximo filme, como é deixado a entender, é um grande representante da ética do mundo antigo. É um arquétipo de estoico. Para ele, há uma ordem no mundo, um cosmos, onde tudo tem sua função e seu lugar. Nos resta viver de acordo com essa ordem e protegê-la, pois quem somos nós, meras engrenagens da perfeita máquina universal, para questionar as leis que a mantêm funcionando? Para Mordo, a magia perverte a ordem do mundo e portanto, ele vê como sua função moral acabar com os magos. Percebam que a magia aqui representa a capacidade humana de manipular a natureza, não muito diferente da tecnologia, portanto.
Kaecilius é um medieval. Representa a transição entre a ética cósmica da antiguidade, que depende de uma ordem superior, e o antropocentrismo moderno. Em busca da imortalidade, ele irá fazer tudo que seu mestre Dormamu lhe ordenar. É através de um ser superior, atemporal, de poderes imensuráveis, um Deus, que o homem vai finalmente alcançar a vida eterna. Não importa quantas vidas de infiéis que tentem atrapalhar sua santa cruzada fiquem no caminho. Kaecilius não se importa com o cosmos do mundo, como um cristão, para ele a natureza é perversa e má, e (Deus) Dormamu é a chave para nos vermos livres de nossa natureza pecaminosa e mortal. A magia é um dom divino e deve ser usada de acordo com os desígnios da fonte dessa magia, no caso, Dormamu e a Dimensão Negra.
Dr Estranho representa o homem moderno, ele distorce, manipula e domina a natureza e suas leis, em busca do bem de nossa espécie. Estranho age segundo o próprio intelecto e não está disposto a se submeter aos caprichos de Dormamu. A natureza, para ele, não é sagrada, nem profana, nem uma ordem perfeita a ser protegida, é apenas uma condição. É icônica a cena onde Estranho aprende a manipular o tempo usando uma maçã, fruta tradicionalmente associada ao pecado original no cristianismo. Dr Estranho possui uma flexibilidade moral que falta aos outros dois personagens. Manipulará a ordem do mundo para defender a humanidade, porém fará isso para não se submeter e não perder sua liberdade, o oposto de Kaecilius.
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No fim, essa busca por sentidos sub-textuais no roteiro, não passa de vão entretenimento. Afinal, por mais que qualquer boa história precise de alguma coesão temática e desenvolvimento de ideias e conceitos para seu sucesso, em Doutor Estranho tudo isso não passa de desculpas para a repetição da fórmula Marvel. Se não precisasse, podem ter certeza de que nem roteiro haveria. Ou para ser mais bonzinho, o filme não acertou seu tom, pareceu indeciso entre Batman (dramático e sombrio) e Deadpool (Deadpool). Infelizmente, nem todo mundo pode ser Deadpool.
No fim, essa busca por sentidos sub-textuais no roteiro, não passa de vão entretenimento. Afinal, por mais que qualquer boa história precise de alguma coesão temática e desenvolvimento de ideias e conceitos para seu sucesso, em Doutor Estranho tudo isso não passa de desculpas para a repetição da fórmula Marvel. Se não precisasse, podem ter certeza de que nem roteiro haveria. Ou para ser mais bonzinho, o filme não acertou seu tom, pareceu indeciso entre Batman (dramático e sombrio) e Deadpool (Deadpool). Infelizmente, nem todo mundo pode ser Deadpool.
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