A bolha, ou o fracasso da revolução (digital)

Entrar numa rede social e se indignar com o que vê pode não ser tão ruim quanto parece. Pelo menos significa que a bolha ainda não te encobriu por completo, o algoritmo que filtra seu conteúdo e tenta te mostrar apenas aquilo que ele julga ser de seu interesse, baseado em seus cliques anteriores, ainda não te decifrou inteiramente.

Dizem que a experiência filosófica começa com um desconforto, um espanto, uma admiração, uma dor. Algo que te faça se remexer na cadeira, que te obrigue a reorganizar seus pensamentos de forma a produzir um entendimento melhor do que o que você tinha anteriormente. Geralmente nossas relações sociais vão exatamente na direção oposta. Tentamos apagar do nosso campo de visão aquilo que nos é incômodo ou simplesmente desinteressante. Se não vemos, não existe. Em vez de abrir a realidade com suas conexões, parece-me mais que a internet cria realidades subjetivas e distantes do mundo concreto, onde não há algoritmo que salve nossos olhos do mal.

Não é de hoje o pick and choose da realidade. No século XIX Marx já denunciava a ideologia como um fator que mascarava a realidade, escondia suas contradições, naturalizava atrocidades e varria para debaixo do tapete aquilo que não a interessava. A novidade é a potência que esse processo adquiriu. Se antes a ideologia lutava com paus e pedras, hoje ela tem um arsenal nuclear e um quartel general com nome legal: Silicon Valley. Caso esteja confuso, o que eu quero dizer é: a tecnologia é útil e é ótima, mas está a serviço de interesses econômicos e privados que não são nada disso, ela se tornou o trunfo daquilo que Horkheimer chama de razão instrumental. Em resumo, o conhecimento não vale pelo que é, mas à medida que permite controlar, dominar e manipular de acordo com o interesse de quem o detém. E quem detém o copyright da tecnologia?

Voltando ao assunto, realmente, ninguém é obrigado a ver o que não quer ver, mas não é disso que eu falo. Não é sobre deixar de seguir aquele cara que fez comentários idiotas, desfazer a amizade com aquele homofóbico ou fugir do tio que posta corrente. Nada disso. O ponto é justamente o cuidado necessário para saber filtrar o conteúdo sem cair na bolha que ameaça nos engolir. E o primeiro passo é estar consciente da existência dessa bolha. Caso contrário, a tendência é de nos reduzirmos, cada um no seu gueto, na sua tribo. Com propaganda personalizada, empresas personalizadas, camisetas, bandas e merchandising personalizados, tudo devidamente absorvido no sistema. Contudo, mesmo na bolha persiste a frustração e o sentimento de que o mundo está sempre a beira do abismo e não há nada a fazer. E está mesmo, e não há nada a fazer. Qualquer vento estoura nosso mundo virtual e nos joga de volta na guerra de todos contra todos.


Quem $pode$ se esconde, acorrenta-se com seus colegas nas suas cavernas, quentinhas como um útero, despreocupados como um feto. Quem não pode se queima com o sol e congela com a noite, no inferno que é a concretude. Quem se aninha em suas bolhas-cavernas sabe bem que há um mundo lá fora. Mas talvez não saiba muito bem o que acontece lá, nem quer saber. A tecnologia, em vez de conectar, construiu muros maiores e mais resistentes. A internet imita a realidade e caminha para se tornar um grande conjunto de condomínios fechados... de ideias. E na verdade, nós próprios somos os muros. Cada um é another brick in the wall. Esmagados uns pelos outros e colados pelo cimento da ideologia. Todos devidamente absorvidos.

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