O bizarro e o outro

Todos temos uma imagem de nós mesmos em nossas cabeças, e quando interagimos com os outros, principalmente com quem não conhecemos bem e queremos deixar uma impressão de quem somos (ou achamos que somos), tentamos vender, reproduzir essa imagem. O problema começa no fato de que na realidade nós não correspondemos a essa imagem, ela não passa de uma representação social de como queremos ser percebidos pelos outros.

Talvez uma boa figura ou não para exemplificar essa ideia esteja nos quadrinhos do Superman, com um de seus inimigos secundários, o "Bizarro", um clone defeituoso que tenta imitar o herói e está plenamente convencido de que é o Superman original. Assim, Bizarro tenta agir como tal, mas fracassa em suas intenções porque é um clone malfeito, um Superman degenerado e às avessas.
Gostamos de pensar que somos o herói, mas é possível que não passemos de Bizarros de nós mesmos.

O psicólogo Carl Jung usava o conceito de 'persona' para falar disso. No latim, a palavra persona era usada para designar a máscara utilizada pelos atores do teatro greco-romano, tal máscara indicava qual papel o ator iria representar. Assim, quando estamos em uma situação social, nosso ego tenta nos proteger do outro projetando uma persona, uma "máscara social" que se adeque àquela situação. As personas, quando usadas por alguém, tentam se passar por uma individualidade legítima, quando na verdade, não passam de uma reprodução do inconsciente coletivo - isto é, todo o conjunto de valores, ideias, medos, arquétipos, etc, que permeiam a mente humana.

Não quer dizer que estamos sendo falsos quando interpretamos nossas personas, aliás, sem elas, a convivência ficaria bastante difícil. Elas possibilitam que possamos transitar por diferentes meios sociais. O problema começa quando a pessoa se confunde com a persona. Um policial que age como policial o tempo todo não seria alguém muito querido pelos amigos. Do mesmo modo, seria um saco o professor que agisse como tal com sua esposa, ou a celebridade que está piamente convencida de que é o que as revistas falam dela. Aliás, quem não conhece alguém que está completamente convencido de que é aquilo que dizem que ele é?

É extremamente perigoso quando perdemos essa nossa bizarrice de vista. O Superman tem crises de consciência, duvida de si mesmo, sabe que é outras coisas além de super-herói. O Bizarro está completamente convencido de que é o original e que o bizarro é o outro.

Queremos ser interessantes e nem sempre o mundo está interessado em nós. É muito fácil nos convencermos de que somos quem queremos ser, quando na verdade, não controlamos nem quem somos e muito menos o que enxergam de nós. Os outros não enxergam nosso self - outro termo de Jung que descreve a totalidade do indivíduo, a junção do inconsciente com o consciente -, enxergam uma persona, um Bizarro de nós mesmos. 

Relações sociais não são fáceis. Se comunicar é tentar construir pontes entre as ilhas que são cada um, uma arte extremamente delicada. Quase sempre a ponte vai desabar antes de ser concluída; nessas situações, vai ficar na mente do outro apenas nosso corpo torto e nossa degeneração mental. Outras (poucas) vezes, vamos chegar lá. A conexão está feita quando o Superman e o Bizarro voltam pros roteiros horrorosos dos arcos secundários do Superman, e nós, pelo menos com aquela pessoa, podemos interpretar outros personagens ruins de outras histórias.

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