Pornô arte?

A pornografia existe desde que o ser humano consegue produzir alguma coisa. Uma das esculturas mais antigas já encontradas, a famosa Vênus de Willendorf, com mais de 20 mil anos, já tinha relação com o tema da fertilidade e as representações da feminilidade ideal. Os gregos antigos já pintavam lá seus pratinhos e vasos de cerâmica com cenas de orgias, aliás, a palavra pornografia é de origem grega. Na índia, o Kama Sutra, em Pompéia, salas de jantar decoradas com simpáticas figuras de homens com paus gigantescos. Exemplos não faltam. Percebam, porém, que a sexualidade era algo associado à esfera do sagrado e aos deuses, algo divino. O sexo era também uma arte sexual.

Era para isso que os homens pré-históricos se masturbavam.

O cristianismo marginalizaria essa instância da experiência humana, e a sexualidade, agora associada ao demônio, perderia seu status como algo sagrado e artístico. Durante a modernidade a marginalização da pornografia continuaria. Ela era vista às escondidas e feita às escondidas, algo socialmente vergonhoso. Porém, no cinema do final dos anos 60, seguindo uma tendência da época, acontece um fenômeno interessante: o pornô com pretensões estéticas, o "porn art", que inclusive, iria desaguar num gênero que para mim hoje soa bastante ridículo, "porno-chic". O pai da criança é o Andy Warhol, só podia ser, o Romero Britto estadunidense. Depois de retratos coloridinhos e latas de alimentos, ele tentou conferir o estatuto e as pretensões de "arte" também à pornografia com seu filme "Blue Movie" (1969), dirigido pelo próprio. 


A diferença, é que o "pornô arte" dos antigos era arte porque era uma produção feita de forma genuinamente articulada com a cosmogonia e com a cultura daqueles povos, se ligava à esfera do sagrado e não aparecia isolada do resto dos valores sociais, o sexo em si era arte. Na modernidade, arte não é simplesmente aquilo que embeleza a experiência humana - é aquilo que está no museu. Assim, o pornô arte do cinema moderno tentava se autodenominar arte por aderir uma estética e uma forma narrativa copiada do que para nós, modernos, é socialmente aceito como arte. Porém, no fim das contas, não deixava de ser o que é: uma mercadoria de consumo para o pessoal tocar uma enquanto não tem ninguém olhando. 


Mais uma noite na Atenas de 450 a.C.

O cinema pornô dos anos 70 e 80 surfou nessa onda. Os filmes pornôs ganharam críticas sérias nos jornais e alcançaram o público mainstream. A pretensão artística é grande em filmes como Deep Throat (1972), Behind the Green Door (1972), The Devil in Miss Jones (1973), Café Flesh (1982), para ficar nos que eu tive o interesse, e acima de tudo, a paciência de ver. Os cartazes de alguns desses filmes, e mesmo algumas sequências, como o cumshot em câmera lenta cheio de efeitos visuais no final de Behind The Green Door, são atestados de paternidade da pop art de Warhol.

O cartaz de Deep Throat, no maior estilo pop art.

Os recursos para tornar essas obras mais "artísticas" são tão ridículos que acabam caindo no cômico. Em Deepthroat por exemplo, a premissa para a fudelança é que uma mulher tem o clitóris na garganta, portanto precisa engolir umas pirocas para sentir prazer. Em The Devil in Miss Jones, uma virgem morre e, no pós-vida, após descobrir que não ia pro céu mesmo, acaba caindo na putaria, com direito a penetração de mangueira, sexo com fruta e até com cobra. Behind The Green Door conta sobre um clube onde uma mulher transa com um monte de gente num palco, na maior vibe teatral, enquanto uma plateia meio bizarra assiste e, eventualmente, começa a transar entre si também. Café Flesh é a mesma história só que num futuro distópico. 

Enfim, por mais que se trabalhe o roteiro, os ângulos, os enquadramentos, os figurinos, os focos da câmera, etc, para que a coisa pareça ser uma experiência estética bacana, isso não funciona muito bem porque no fim das contas o que importa mesmo é a plateia excitada tocando punheta. Pelo contrário, a forçação de barra para o filme parecer esteticamente significante acaba por cair no ridículo. É forçado e ainda corta o lado excitante da coisa. Tanto que alguns desses filmes simplesmente aceitam a veia cômica e tentam se utilizar disso como recurso para o filme parecer mais interessante. Na minha opinião, Calígula (1979), que conta a história do controverso imperador de mesmo nome, é o magnum opus, para bem ou para mal, da quimera que foi esse gênero bizarro de filmes. Sem saber medir suas pretensões, Calígula se perde entre o biográfico, o gore, o surrealista, o cômico e o pornô. No fim, todo mundo vê pela sacanagem.

Mesmo a pornochanchada nacional beberia nessa fonte. Oh! Rebuceteio (1984) é um grande exemplo. As pretensões e o estilo são bem parecidos aos exemplos estadunidenses. O filme parece até plagiar um pouco Behind the Green Door nessa coisa de tentar elevar o pornô através da estética teatral. Os próprios personagens sendo atores, diretores, fotógrafos, etc, ressaltam essa necessidade de aprovação artística. Esses filmes estão gritando o tempo todo para a plateia: "olhe para mim, eu sou arte, tá vendo?", o que é irritante. 

Outro gênero que nasceu daí foi o das paródias - algo que não poderia passar batido. As paródias já carregavam naturalmente a estrutura "artística" da obra parodiada, e ainda atraíam muita atenção porque todo mundo quer ver seus personagens preferidos transando. Não tinha como dar errado.

Infelizmente, os caras exageram.

A partir dos anos 90, com o desenvolvimento da famigerada indústria pornográfica, cada vez mais o pornô narrativa, com toda sua pretensão artística, ou que pelo menos tentava desenvolver um roteiro interessante ou simplesmente engraçado, foi se tornando soft-core, sem sexo explícito. Enquanto isso, o hardcore foi se transformando em clipes avulsos de sexo e, quando muito, com uma contextualização ridícula, como a historinha do encanador, do entregador de pizza, do limpador de piscina, da mulher exótica, etc. A antes prolífica atriz/atriz pornô, se dividiu na atriz do soft-core, que mostra os seios e finge o ato e na atriz pornô de fato, que agora de atriz só tem os gemidos. A paródia sobreviveu e passa bem. A indústria parece ter entendido que o pornô não é arte por copiar a estética 'artística', mas é arte enquanto o que é, enquanto representa os valores sexuais de sua época e lugar. Vitória da punheta (de quem?).

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