A filosofia de Nick Drake


Biografia


O inglês Nicholas Rodney Drake nasceu em 1948 na Birmânia, antiga posse do Império Inglês onde seu pai trabalhava como engenheiro. Por ser uma família bastante musical, logo cedo Drake aprendeu a tocar piano, clarinete e saxofone. Na escola, era um ótimo esportista, porém, relaxado nos estudos. Era lembrado como uma pessoa agradável e elegante, mas também sempre muito distante. Se apresentava com a banda da escola e alguns colegas se lembram dele cantando Dylan e Woody Guthrie. Em 1965 comprou seu primeiro violão, instrumento que viria a ser sua marca, sua família não gostou, na época o violão era visto pelos ingleses mais conservadores como um instrumento "de rebeldes". 

Em 1967, foi estudar literatura inglesa em Cambridge, os professores o consideravam brilhante, porém pouco dedicado. Cada vez mais, Nick Drake passou a ignorar os estudos e o Rugby, onde se destacava por seus 1,91m de altura, para se dedicar à música. Também começou a fumar maconha, algo que, mais tarde, faria compulsivamente.

Também a partir de 1967, começou a se apresentar em público e sua habilidade com a guitarra acabou impressionando Ashley Hutchings, da banda Fairport Convention, que por sua vez o apresentou ao produtor Joe Boyd, que já havia produzido o primeiro single do Pink Floyd e mais tarde trabalharia com Jimmy Hendrix. Boyd produziu os primeiros dois discos de Nick Drake: Five Leaves Left, de 1969 e Bryter Layter de 1970. Nesse meio tempo, Drake abandona a faculdade pouco antes de se formar. 

Seus dois primeiros álbuns contam com arranjos cheios e bem trabalhados, Bryter Layter apresenta fortes influências de jazz. São álbuns muito diferentes do seu último e simplíssimo álbum, Pink Moon, de 1972, onde o violão é o único instrumento a ecoar, com exceção da música título, onde um piano faz um breve solo.

Infelizmente, Nick Drake não foi em vida  um artista tão famoso quanto deveria ser. Ativo na música entre 1968 e 1974, foi ignorado pelo público e imprensa de sua época. Sua carreira também não foi das mais convencionais. Exímio violonista, porém, introvertido, tímido e depressivo, não gostava de dar entrevistas, de modo que seus álbuns acabavam sem a devida promoção. 

Seus shows eram particularmente bizarros para o público da época. Nick não interagia com o público e haviam longos intervalos entre uma música e outra, visto que ele usava muitas afinações diferentes. A platéia não entendia muito bem, não era aquilo que esperavam em um show de folk. A má recepção do público somada a frustração pelo insucesso de seus álbuns e a depressão fizeram com que ele parasse de se apresentar ao vivo. 

Em 1972, chegou a abandonar a carreira musical. Ele voltaria a procurar Boyd em 1974 para a produção de um quarto álbum, o que acabou não acontecendo. Naquele mesmo ano, aos 26 anos de idade, Nick Drake morreu. A causa: overdose de antidepressivos, provavelmente um suicídio. Nick Drake não deixou nenhuma gravação em vídeo.


O mundo como metáfora do indivíduo


O jeito recluso, a timidez, a calma e a melancolia de Nick Drake, são refletidos em sua músicas. Ele não estava interessado em discutir política, questões sociais, nem nada disso, que inclusive, era bastante comum na música de seu tempo. O sentimento geral de suas músicas é de apatia em relação às concretudes do mundo. Ele tampouco apelava para o (lucrativo) amor, como os Beatles e o mainstream da época. Sua música refletia, de certa forma, sua personalidade, sem muito apelo para a indústria. Nick não era profissional, nem nunca quis ser - detestava fazer o que não gostava. Boyd (seu produtor) chegou a descrever suas músicas como possuidoras de uma "qualidade virginal". Inclusive, nunca se soube de nenhum relacionamento amoroso de Drake, o que chegou a despertar suspeitas de homossexualidade.

Suas letras eram compostas basicamente por metáforas da natureza que remetem a situações pessoais (talvez pela influência do romantismo inglês, devido a seus estudos de literatura em Cambridge). Por um lado, ele parece um distante observador, à parte do mundo; por outro, sua poesia abusa do mundo ao redor para compor seu próprio universo psicológico, triste, outonal e afastado. Há uma dicotomia entre sociedade e natureza. A primeira causa angústia, é desinteressante e retratada em geral de forma negativa. A segunda é o refúgio, remete a estados calmos e aprazíveis.

Além disso, a poesia de Drake é quase sempre escrita em forma de diálogos, o eu lírico das canções está, quase sempre, a conversar com alguém, e é através desses diálogos que o autor constrói seu universo poético. Drake personifica as ideias sobre as quais escreve, como se fossem musas. Se na vida social temos uma pessoa quieta, afastada e difícil, na poesia temos um interlocutor por excelência.



'Cello Song' (acima) é um ótimo exemplo para a maioria dessas características. Nela, ele associa as características da personagem para a qual eu lírico escreve a eventos naturais. E todas as referências ao mundo externo servem para descrever eventos internos - emocionais e psicológicos. Fala-se dos sonhos da juventude e logo são associados a uma primavera que se foi (For the dreams that came / To you when so young / Told of a life / Where spring is sprung), o frio da noite revela uma fragilidade emocional (You would seem so frail / In the cold of the night / When the armies of emotion / Go out to fight), e o elogio e elevação da personagem da canção é feito através da mesma técnica, evoca-se a terra, significando o sofrimento e morte, e o céu, significando elevação (But while the earth / Sinks to it’s grave / You sail to the sky / On the crest of a wave). Por fim, a última estrofe da música descreve com perfeição o alheamento quanto ao mundo exterior (So forget this cruel world / Where I belong / I'll just sit and wait / And sing my song) e o desejo de escape (And if one day you should see me in the crowd / Lend a hand and lift me / To your place in the cloud).



É 'River Man', porém, que apresenta esses aspectos básicos da poesia de Drake em sua melhor forma. A letra é intercalada entre duas estrofes onde o eu lírico descreve seu diálogo com "Betty", e duas onde o eu lírico projeta diálogos com o "River Man". A figura feminina representa os aspectos comuns da vida: nas duas primeiras estrofes onde aparece, Betty fala de coisas banais em relação a sua vida e o mundo; nas duas últimas, aparecem suas angústias (Betty said she prayed today / For the sky to blow away / Or maybe stay / She wasn't sure), ao que a natureza a acalma (For when she thought of summer rain / Calling for her mind again / She lost the pain / And stayed for more). Na conotação de um suicídio adiado, aparece a dicotomia entre a sociedade que machuca e a natureza que acalma. 

Se a interação social informa o eu lírico de angústias, ele busca no "River Man", uma figura divinizada da natureza, os meios de escapar desses males. Ao mesmo tempo, porém, há uma melancolia na constatação que a relidade elevada dessa metáfora natural é inalcançável (If he tells me all he knows / About the way his river flows / I don't suppose / It's meant for me). Cada uma dessas figuras representa um aspecto interno do próprio compositor: a feminina, sua tristíssima relação com o mundo; a natural, uma fuga que acalenta mas que também termina em melancolia, pois é inútil, não se foge de sua própria humanidade. A figura do tempo, o "rio que corre", traz a repetição de todos esses sentimentos, o que se materializa com a canção sempre pautada pela mesma repetição de acordes e também pelos versos finais (Oh, how they come and go / Oh, how they come and go).

O tempo




'Day Is Done' trata de modo mais exclusivo a questão do tempo, novamente retratado como um fluxo que se repete de novo e de novo, através da repetição dos dias (Have to go back where you began / When the day is done), mas não só isso, pontua nossa finitude em meio a esse ciclo (When the night is cold / Some get by but some get old / Just to show life's not made of gold), nossa inevitável decadência (Lost much sooner than you would have thought / Now the game's been fought), falta de controle (Didn't do the things you meant to do / Now there's no time to start anew / Now the party's through), e a absoluta indiferença do tempo em relação à nós. A própria música, ao começar e terminar do mesmo jeito, característica que se repete em muitas de suas canções, acaba por ressaltar esse aspecto cíclico da vida. A perspectiva apresentada é, mais uma vez, tristíssima, onde o ser é massacrado pela realidade temporal em que vive.



Além de ser uma canção incomum, por nela Drake tocar piano ao invés do seu marcado violão, em "Saturday Sun", o tempo é condutor de outra metáfora. Na canção, a passagem do tempo remete também a mudança de estados emocionais. Se o "sábado de sol" arrumei um caminhão remete à alegria, o domingo chuvoso, triste, é o seu fim inevitável. O tempo traz consigo a transitoriedade e decadência, e novamente, a perspectiva pessimista de que a alegria é aleatória, vem de surpresa, acontece para além do nosso controle (Saturday sun came without warning / So no-one knew what to do) e é passageira, enquanto a tristeza é a regra e o fim (And Saturday's sun / Has turned to Sunday's rain), sendo que a causa dessa tristeza é justamente a alegria que logo se esvai (And wept for a day gone by).

Mary Jane / Marijuana


Há canções em que a figura feminina e a figura natural se unem em uma só. É nas canções que parecem se referir à erva. Lembrem-se que Nick era um maconheiro compulsivo.



O que pode parecer uma canção de amor à primeira vista, pode na verdade se referir ao seu próprio estado de consciência quando afetado pela maconha. A música fala sobre seus pensamentos voarem, o que pode se referir tanto à fumaça do baseado quanto a onda causada pelo fumo. E ainda assim parece haver uma melancolia pelo efeito passageiro da droga (Why she flies / Or goes out in the rain). É um belo de um trocadilho Mary Jane/Marijuana, e ressalta esse aspecto hermético de suas músicas, as possibilidades de interpretação são sempre imensas.



Há duas canções com o nome Hazey Jane (algo como Jane nebulosa, ou misteriosa), nome que novamente evoca a planta. O esquema é o mesmo de muitas canções de Drake, a figura feminina serve como metáfora da própria consciência do compositor, mas ao mesmo tempo é deixada intencionalmente a ambiguidade com uma canção de amor. Nesse caso, a dupla ambiguidade com sua consciência sob efeito da cannabis (Hey slow Jane, make sense). A música se constitui de perguntas feitas pelo eu lírico à "Jane", e é curioso como esse tipo de diálogo sempre remete às angústias da vida e a busca por um mistério ou a satisfação de um desejo ao qual não se alcança.



Na 'Hazey Jane II', que é a música mais "animada" de Nick Drake (o que contrasta gritantemente com a letra melancólica), as três primeiras estrofes são perguntas que exprimem alguma angústia existencial ou social. As duas estrofes seguintes são espécies de conselhos familiares, que no final não resolvem nada e acabam no escapismo de sempre, com uma bela metáfora para a fuga das angústias da vida, retratadas como uma âncora que o mantém preso ao chão, enquanto o barato da droga (segundo essa interpretação) o libertaria disso (Now that you're lifting / Your feet from the ground / Weigh up your anchor / And never look round). A última estrofe da música é, na minha opinião o ápice da ambiguidade erva/garota nas suas letras (Let's sing a song / For Hazey Jane / She's back again in my mind), além de exprimir que a música é uma espécia de expiação para uma frustração em se comunicar com as pessoas (If songs were lines / In a conversation / The situation would be fine), o que explica, em parte, a questão da estrutura de diálogos que ele tanto usa em suas letras.

Existencialismo e contingência


No universo poético de Nick Drake, há uma dinâmica existencialista entre o indivíduo e sua condição no mundo. O individuo "drakeano" não é alguém que busca um ideal ou satisfazer a uma essência, pelo contrário, é alguém em guerra com sua condição humana e a contingência da vida. 

Em "O Ser e o Nada", Sartre trata do problema da contingência como algo definidor do ser humano. Se um 'Ser' é caracterizado por sua condição de necessidade: ele é aquilo que necessariamente só poderia ser, o ser humano é então um 'Nada', visto que sua condição é de contingência: o ser humano não é predeterminado por uma natureza, mas faz a si mesmo no mundo enquanto vive. Nesse sentido, a angústia da existência humana é a de lidar com sua própria liberdade. A angústia, ou náusea, como ele usa em outro livro, parte do fato de sermos um não-ser. Nesse sentido, não há nada que nos defina além das próprias escolhas que fazemos.


'Poor boy' é não só um retrato de Nick Drake através dos olhos dos outros: alguém deslocado e desajustado e por isso digno de pena, mas apresenta também essa visão de um indivíduo jogado, abandonado no mundo e sem propósito - a própria definição existencialista de condição humana (Never know what I came for / Seems that I've forgotten / Never ask what I came for / Or how I was begotten). Poor boy apresenta a angústia de se fazer no mundo, uma vez que nosso exercício de liberdade pode nos distanciar das expectativas e modelos sociais. O ser humano está, enfim, sozinho no mundo (Nobody cares / How steep my stairs / And nobody smiles / If you cross their stiles).




'One Of This Things First' é nada mais que uma definição da contingência existencial. A música é um compilado de coisas que o eu lírico poderia ter sido e ter feito. Coisas tão aleatórias e contraditórias que são praticamente um manifesto existencialista contra a ideia de uma natureza humana.



Já 'Wich Will' apresenta outra faceta da angústia causada pela contingência: a liberdade do outro. Se falar da própria liberdade dá alguma ilusão de controle sobre nossos rumos, falar da liberdade do outro mostra que na verdade o buraco é mais embaixo. Wich Will é um retrato da insegurança de lidar com as expectativas que temos sobre os outros e seus desejos. Coisas sobre as quais não temos o menor controle.


Solidão e depressão


Outro tema recorrente em suas canções. A obra de Nick Drake tem um caráter expiatório muito grande, nesse sentido, a solidão que seu desajuste e falta de habilidades sociais lhe causou, deixando-o emocionalmente desamparado durante as crises depressivas, não ficou sem registros por sua obra. Na maioria das vezes em que remete à essa temática, o tom é de um pedido de ajuda.


'Hanging On A Star' não é de nenhum dos três albuns publicados durante a breve vida de Drake, mas apesar de ter sido lançada postumamente, seu conteúdo é muito relevante em entender a lida do compositor com a solidão e a depressão.  Com "Why leave me hanging on a star / When you deem me so high", Drake lamenta o fato de, apesar de aparentemente as pessoas o tratarem com estima e em tom elogioso, essas situações não se desenvolviam para laços emocionais significativos e reais, pelo contrário, davam às situações sociais um tom de frustração, leviandade e abandono. Os versos da segunda estrofe complementam a situação informando a frustração de se sentir incomunicável com essas mesmas pessoas (And why leave me sailing in a sea / When you hear me so clear). Em cada estrofe, o segundo verso é repetido mais duas vezes, dando ênfase na frustração com as pessoas.


'Harvest Breed' parece ter sido concebida direto do fundo do poço. É  também um ótimo retrato de Drake caindo ali e buscando alguém para aparar sua queda (Falling fast and falling free  / You look to find a friend) ou tentando se agarrar as coisas boas da vida (Falling fast you stoop to touch / And kiss the flowers that bend)... E falhando, como sua história mostra.


'Man In a Shed' se diferencia um pouco das duas canções anteriores, primeiro pelo clima menos melancólico da canção e pela construção poética da letra, escrita numa metáfora que remete à uma história de amor, bastante diferente da linguagem mais crua das duas canções anteriores. Logo se percebe que a cabana (shed) da qual ele fala remete não à uma estrutura física, mas sim ao seu estado psicológico. A shed é sua própria mente, onde ele habita, descrita como um lugar apodrecido e abandonado (For his shed was rotten let in the rain / Said it was enough to drive any man insane). Ao que ele mais uma vez clama por ajuda, dessa vez a uma garota que "vivia numa casa grande e imponente", ao que é rejeitado So when he called her / His shed to mend, / She said: I'm sorry you'll just have to find a friend.


A canção é do primeiro álbum e talvez por pertencer a essa fase primeira de sua carreira ela carregue um tom de esperança, como evidenciado nas duas últimas estrofes, onde o autor aparece "cortejando" a garota da "casa bonita" (Please don't think / I'm not your sort / You'll find that sheds are nicer than you thought). A figura feminina, como já vimos, costuma representar os aspectos sociais da vida, mas por ser sempre a figura feminina, fico implícito também que a representação feminina é o único tipo de "humanidade" com a qual Drake consegue ou acha digno se comunicar, de modo que é curioso que é nessa mesma figura que ele suplica por ajuda para seus problemas dessa natureza. Poeticamente, isso cria sempre a tonalidade de uma letra de amor. A relação de Drake com a sociedade ganha a aparência de uma tragédia romântica, de um amor platônico, isto é, que nunca basta ou se consuma. Não é como se ele desprezasse a sociedade, ele busca poder ter uma relação saudável e feliz com a mesma, suplica por isso, mas fracassa, enfim.

Outras canções que também apresentam conteúdos do mesmo teor incluem "Way to Blue", que é mais uma súplica por alguém que lhe mostre o caminho para sair da tristeza (Have you never heard a way to find the sun?), e "At The Chime of a City Clock" que é a descrição de sua tentativa de se ajustar socialmente, ao "ritmo da cidade". 

"At The Chime of a City Clock" merece um paragrafo, pois é a canção de Nick Drake que mais chega próximo ao que poderia se assemelhar a uma crítica social, como o próprio nome deixa antever (e nesse sentido a primeira estrofe kick asses: "A city freeze / Get on your knees / Pray for warmth and green paper"). Ali ele descreve, com alguma amargura, a vida mediada socialmente (como se as regras sociais fossem chatas e pesadas regras de um jogo) e como as pessoas se utilizam "das regras do jogo" para se dar bem socialmente (For the sound of a busy place / Is fine for a pretty face / Who knows what a face is for). Fica aparente seu desprezo por fazer o "jogo social". A cidade é, enfim, um lugar frio, triste, solitário, perigoso, dissimulado e que não leva à lugar nenhum, isto é, cujo ordenamento não supre as necessidades mais profundas (Travel to a local plane / Turn around and come back again).

Frustração, Fracasso e fama póstuma


Talvez já tenha dado para perceber, uma vez que todos esses temas - aqui trabalhados em tópicos - aparecem de forma muito interconectada nas músicas, que há uma frustração muito presente nas canções, não só pela transitoriedade e falta de sentido das coisas, mas também por aquilo que não se pode alcançar. A metáfora comum nesse sentido é  a dicotomia entre uma ingenuidade infantil, que acredita poder encontrar felicidade no mundo, e a maturidade que é puro desencantamento.


A primeira estrofe de "Place To Be" é destruidora: "When I was young, younger than before / I never saw the truth hanging from the door / And now I'm older see it face to face / And now I'm older gotta get up clean the place". Quando jovem, o eu lírico não conseguia ver 'a verdade' (e por isso era feliz, uma vez que essa "verdade" é apequenadora em relação à fantasia, esperanças e pouca lucidez da infância), mas ao crescer ele vê 'a verdade' cara-a-cara, e que verdade é essa? Que ele tem que se levantar e fazer uma limpeza na casa! Claro que essa metáfora traduz principalmente uma desilusão e frustração com a pequenez das responsabilidades da vida adulta, para além das quais não há nada. Tampouco há nesse lugar comum da vida adulta alguma beleza especial, algum sentimento arrebatador ou significativo. A canção apresenta um eu lírico completamente deprimido e até desesperado para sair dessa condição (Just hand me down, give me a place to be). Em meio ao sofrimento sem sentido da contingência humana, Drake clama por um lugar para Ser, lugar que, como já vimos anteriormente, não existe.


"Fly" trata das frustrações de Nick Drake no mundo da música (e na vida em geral), ao que ele pede uma "segunda chance" (Please give me a second grace / Please give me a second face / I've fallen far down / The first time around). Curiosamente, e certamente não por acaso, 'Fly' é a segunda música, do segundo lado, do segundo álbum dele. Como dito antes, Nick Drake ficou extremamente deprimido com o fracasso comercial de seu trabalho, o eu lírico inclusive culpa as pessoas por seu estado, mas ao mesmo tempo, essa canção é uma de suas poucas músicas que exibe alguma esperança de saída desse estado (I've fallen so far / For the people you are / I just need your star for a day), apesar de reconhecer o quão difícil é "voar" (It's really too hard for to fly). Claro que a metáfora pode e deve ser extrapolada para além do mero fracasso profissional, o tom é, também, de uma mágoa generalizada com a sociedade.


'Fruit Tree' seria uma das canções mais diretas de Nick Drake sobre sua frustração com seu 'fracasso' na carreira musical, se não fosse do seu primeiro álbum. Por pertencer ao álbum de estréia, Fruit Tree é, na verdade, é um fracasso anunciado (Fame is but a fruit tree / So very unsound / It can never flourish / Till its stalk is in the ground), mas também pode ser entendida como uma frustração ante a temporalidade da vida/obra humana (Forgotten while you're here / Remembered for a while / A much updated ruin / From a much updated style). Alguns versos seguintes porém, corroboram para a primeira interpretação, o tom é de uma mágoa antecipada (Safe in your place deep in the earth / That's when they'll know / What you are really worth), principalmente nas duas estrofes finais (Fruit tree, fruit tree / No one knows you but the rain and the air / Don't you worry / They'll stand and stare when you're gone [...] They will know that you were here / When you are gone). A canção/profecia é arrepiante de tão precisa.

Se Fruit Tree carrega um certo rancor pela falta de reconhecimento em vida, 'Pink Moon', música título de seu terceiro e último álbum, e provavelmente a que o lançou no mainstream após sua morte, é um pisão nas inimiga uma anunciação triunfante de seu sucesso: Pink Moon vai pegar 'ceis' tudo (Pink moon gonna get you all). A letra tem 4 versos, fora o refrão que apenas repete o título, uma música simples e profética... E linda. Depois de conhecer a obra de Nick Drake, só posso dizer: ainda bem que a lua rosa me pegou!



Menções honrosas: canções 'felizes'


Não encontrei lugar para colocar essas canções em outros tópicos, até pelos seus peculiares tons otimistas comparados ao resto da obra de Nick (apesar da atmosfera melancólica de sempre), mas não podiam faltar aqui pela sua relevância estética e por serem algumas das músicas mais aclamadas dele

'Time Has Told Me' é a primeira música do primeiro álbum de Nick Drake (Five Leaves Left). E trata do tempo de uma perspectiva diferente das canções apresentadas acima. Aqui o tempo não é um degenerador e uma marca maior da condição humana, é ao contrário uma figura pedagógica e que torna o eu lírico mais sábio. Além disso, a música termina com um incomum verso otimista, pero no mucho: frente à finitude inescapável da vida, só resta tirar felicidade do temos de bom (And time has told me / Not to ask for more / For someday our oceans / Will find it's shore).


'Northern Sky', também do primeiro álbum, é talvez a única música que expressa um estado de felicidade no presente, o eu lírico é basicamente um apaixonado encantado com o mundo pela primeira vez. Nota-se como o fracasso comercial afetou o tom das letras de Drake, deixando-as ainda mais depressivas e pessimistas, uma vez que não se encontra músicas como essa nos álbuns seguintes.


'From The Morning' é a última música de 'Pink Moon', o último álbum de Drake. O tom é otimista após um álbum inteiro melancólico e solitário (Nick Drake gravou Pink Moon sozinho, com um técnico de som). Como não podia ser diferente, a música celebra a beleza da natureza e culmina com o eu lírico se tranformando na própria natureza (And now we rise / And we are everywhere), pelo que já vimos da poética de Nick Drake, a metáfora máxima de felicidade, paz e plenitude.  E a canção termina com um poético "e a vida continua": And go play the game that you learnt / From the morning.




Outras matérias e textos sobre Nick Drake:

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