Tem na internet: debate entre Michel Foucault e Noam Chomsky (1971)

Acho que não é nem preciso fazer propaganda desse vídeo, facilmente encontrado internet afora. Em tempos de debates pobríssimos e polarizações políticas vazias, um debate entre dois dos maiores pensadores do século XX é o que de melhor se pode achar nesta rede. O debate aconteceu em 1971 na Holanda e pelo tipo de apresentação parece ter sido feito para algum programa de televisão.

Negativamente, pode-se dizer que o apresentador do debate, que tanto o introduz quanto interrompe o vídeo de tempos em tempos, tenta ser didático demais, como aquelas narrações ruins de filmes também ruins, além disso ao explicitar suas próprias reflexões sobre o debate, poda ou pelo menos antecipa a expectativa do espectador - em outras palavras, é um chato que tenta pensar por nós (mais ou menos o que eu faço abaixo, a diferença é que falo por mim e que minhas recomendações também pressupõem curtas análises).

O mediador do debate, apesar de ser figura importante (pois dá uma certa direção à conversa) também tenta controlar demais os rumos em certos momentos e com isso acaba apenas travando o debate, como quando indaga insistentemente a Foucault sobre a relação entre sua vida pessoal e seu pensamento.

Sobre o debate em si, algo interessante de se notar é a própria personalidade dos dois pensadores e sua relação com seus pensamentos, algo que não precisa ser indagado diretamente, como faz o mediador, mas que é muito mais interessante quando se nota através da própria expressividade dos filósofos. Chomsky se apresenta como uma figura muito mais calma, conciliadora e amigável; Foucault é ansioso, agitado, está sempre se mexendo, fala mais alto e mais rápido e é também muito mais irônico. 

Um belo exemplo dessa sua ironia é quando, logo no início do debate, Foucault explica, em ótimo inglês, que vai se comunicar em francês porque "seu inglês é vergonhoso". A passagem mais marcante da ironia de Foucault, entretanto, é quando, questionado sobre suas posições políticas, Foucault diz com um sorrisinho maroto que é muito menos avançado que Chomsky (que se coloca como anarco-sindicalista), e admite não ser capaz de fornecer um modelo ideal para a sociedade. Suas afirmações irônicas diante do norte-americano mostram bem o tom "subversivo" e provocador que o pensador adota também em seus textos.

O debate se divide em duas partes fundamentais: uma onde os pensadores delineiam em seus sistemas de pensamento as noções de natureza humana, conceito que Chomsky utiliza de uma maneira própria para se referir às "habilidades inatas" que permitem o desenvolvimento das estruturas de linguagem, e que Foucault nega veementemente apontando para o papel das instituições sociais na formação dos indivíduos. Basicamente, quando Chomsky fala de natureza humana, ele fala de uma coisa; quando Foucault a nega, está falando de outra. Outro ponto fundamental de ruptura é que o objeto de Chomsky é muito mais o indivíduo no desenvolvimento individual de suas habilidades, enquanto em Foucault o indivíduo aparece esmagado entre estruturas históricas (e) de poder.

Curiosamente, quando passamos ao discurso político, na segunda parte do debate, o jogo vira, Chomsky fala das estruturas político-econômicas concretas que oprimem o indivíduo, enquanto Foucault não é nada propositivo, mas fala de modo muito mais abstrato em ações individuais de subversão das estruturas de poder.

Em linhas gerais, o pensamento de Chomsky é muito mais propositivo, inspira mais ação política e criação, enquanto o de Foucault é mais reativo, inspira mais crítica, mas não uma criação ou ação concreta no mundo, não mais que provocações pontuais. Em certos momentos seus pensamentos se cruzam em críticas às instituições capitalistas modernas, mas logo se separam novamente, não há base teórica nem práxis em comum entre os dois. Em termos mais grosseiros, eu poderia apenas dizer que o pensamento de Foucault é mais bem digerível pela burguesia (e esta o faz de modo deveras cínico), na medida que propõe uma certa distância de valores e práticas que ao buscarem alguma mudança, se supõem mais justas e melhores que as anteriores. Não é à toa que o progressivismo 'pós-moderno' se distanciou de ideais revolucionários.

Fica aí uma versão legendada do debate, e meus parabéns e agradecimentos a quem quer que o tenha legendado.


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