A filosofia de Engenheiros do Hawaii Pt. 2: Política

Já faz quase um ano da publicação da primeira parte dessa série de posts sobre Engenheiros do Hawaii, decidi que estava ficando feio e já era hora da parte 2.

---

Se tem uma coisa que a gente aprende com a história é que o indivíduo é fruto de seu tempo. Com os artistas não é diferente, eles também cantam, pintam e escrevem seu tempo. Engenheiros do Hawaii são um exemplo disso, principalmente no que toca a política, onde o esforço por retratar, comentar ou criticar a atualidade é deliberado. Apesar da política ser um tema constante da banda, em raríssimos momentos eles se expressariam abertamente sobre este ou aquele lado, ou participariam dela de alguma forma. Quando a banda fala sobre o tema, há sempre um distanciamento, eles comentam a realidade política, mas como se esta não os atingisse, pelo menos não consideravelmente e de forma tão dura e direta.

Guerra Fria e ditadura - 1985-1989


Talvez nessa primeira fase da banda, formada em 1985, seja a fase em que mais facilmente podemos perceber a influência do contexto político nas letras. Temas como autoritarismo, direita, esquerda e guerra, aparecem bastante. É um momento de transição. A União Soviética dá sinais de crise, a ditadura no Brasil está se abrindo. O clima geral é o do fracasso das ideologias, de esquerda ou de direita, mas isso também não quer dizer que eles vissem com bons olhos a tendência "vitoriosa" desse período: a democracia burguesa liberal.

Já em "Toda Forma de Poder", a primeira canção do primeiro álbum, "Longe Demais das Capitais" de 1985, aparecem os primeiros tons da visão política que seria expressa pela banda durante sua história:



"Eu presto atenção no que eles dizem mas eles não dizem nada / Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada". "Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada / Toda forma de conduta se transforma numa luta armada / A história se repete mas a força deixa a história mal contada". "O fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante e fascinada".

Clara e direta a crítica ao autoritarismo dos dois lados do espectro político, e mais que isso, aqui é expresso a desconfiança com os projetos políticos, estes são uma forma de "morrer por nada". As forças envolvidas na política são mistificadoras, atrapalham a história de ser contada, e obscurantistas, se beneficiam da ignorância popular. A visão é o da teoria da ferradura, nos extremos, os lados opostos se convergem e se parecem mais do que gostariam de admitir.

"Fé Nenhuma" é uma crítica ao discurso marxista de esquerda, típico de fins de ditadura. "Mas ninguém tem o direito / De me achar reacionário / Não acredito no teu jeito / Revolucionário". Também é expresso um certo alheamento da política. "Sei de cor seus comentários / Sobre o mal da alienação / Mas eu não vivo de salário / Eu não vivo de ilusão". Aqui, o distanciamento da política mostra seu rosto, uma questão de classe, "eu não vivo de salário", afinal. Engenheiros sabe que é uma banda de classe média e nessa fase admite essa condição para se dar o direito de não ter esperanças na política.



Em "Beijos Pra Torcida", no mesmo álbum, temos uma crônica da tensão política da Guerra Fria e a constante ameaça da Terceira Guerra.



É importante destacar o álbum "Longe Demais das Capitais", porque ele, além de ser o álbum de estréia, tem um lirismo mais direto e ácido, diferente dos álbuns seguintes onde essas mesmas visões vão estar mais diluídas nas letras das músicas, mas que não necessariamente vão dar "nome aos bois" como se faz no álbum de 1985. Longe Demais das Capitais é o único onde a política é tratada de forma mais direta, sem muita sutileza.



Tribos e Tribunais, de 1988 sela as letras da banda sobre esse contexto histórico, tratando agora de um contexto mais nacional. O refrão "Isso me sugere muita sujeira / Isso não me cheira nada bem", é precedido de situações que fazem referência tanto a esquerda quanto a direita. E essa é de fato a intenção, como nos versos "Fascista de direita / Fascista de esquerda / Empresas sem fins lucrativos / Empresas que lucram demais". Sobra até para o Lula. "Agente secreto / Agente imobiliário / Gente como a gente / Presidente-operário". Talvez o velho medo da classe média "que não vive de salário" de ter um trabalhador no poder? Talvez. O que não quer dizer que eles fossem "direita" também. Nas eleições de 1989, por exemplo, a primeira eleição direta para presidente após a ditadura, a banda apoia a candidatura de Brizola. Algo impensável hoje, uma banda "isentona" apoiando candidato, ainda mais o Brizola.

Democracia e diluição da política


Nos álbuns seguintes, a partir dos anos 90, onde as tensões políticas, com o fim da Guerra Fria e da ditadura, pareciam ter migrado do campo revolucionário para o campo institucional e para as tensões culturais, a temática política também aparece diluída em críticas culturais e afins, das quais já tratamos na parte um deste post. Quando muito, em algumas letras mais contundentes, como em "Chuva de Conteiners", a temática aparece enquanto a já comentada desilusão com a política institucional (Somos todos passageiros clandestinos dos destinos da nação), levada à cabo principalmente por uma "elite burra". Tempos ruins levam à composições mais abertamente políticas. Além disso, também pode se falar de uma sofisticação das letras, muito visível já à partir do segundo álbum "A Revolta dos Dândis", de modo que o refinamento poético leva a uma sutileza maior do que  o que vemos na crueza (musical e lírica) do "Longe demais das capitais".

Se o existencialismo é a maior influência filosófica da banda (e trataremos do tema na parte 3 desse post), nos desdobramentos políticos desse viés filosófico, Engenheiros do Hawaii prefere o lado de Camus em vez do de Sartre. A desilusão leva a um alheamento crítico. É o que vemos nas duas partes de "Exército de Um Homem Só". 

Como o título já deixa antever, há um foco na relação do indivíduo com a política, não a perspectiva de uma vertente ou um movimento (Somos um exército, o exército de um homem só / No difícil exercício de viver em paz / (...) Sem bandeira / Sem fronteiras / Pra defender). A banda renega o lado perdedor da Guerra Fria sem abraçar o lado vencedor: "Livres desta estória, a nossa trajetória não precisa explicação / E não tem explicação". Ainda assim, o viés permanece como viés de classe. "Não interessa o que diz o ditado / Não interessa o que o Estado diz / Nós falamos outra língua / Moramos em outro país". Nega-se a política porque se pode negar a política, porque não dependem diretamente dela em sua profissão liberal. Um desatento pode confundir isso com anarquismo, mas é só um individualismo pós-moderno bem típico. Mesmo o anarquismo tem bandeira.



Mas, apesar disso, é preciso cuidado para não tomar os Engenheiros do Hawaii como simplesmente uma banda burguesa. Ela é, antes de tudo, uma banda que desde o início admite sua origem de classe (lembrem-se de 'Fé Nenhuma') e que se conecta bem com suas raízes regionais - e esse simples fato a diferencia de quase a totalidade das demais bandas da mesma estirpe. Outras bandas e artistas "críticos" que não parecem ter esse fator muito bem digeridos em sua poesia, como Cazuza e Legião Urbana, soam, muito em função disso, mais ingênuos em suas críticas. Por fim, além do apoio à Brizola em 89, o EngHaw foi uma das poucas (a única que eu sei) bandas brasileiras a tocar na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas!

Olavo tinha razão.


Comentários

  1. Respostas
    1. Até peço desculpas, realmente ficou faltando especialmente essa parte do existencialismo... mas vai ficar por aí. Depois de tanto tempo, nem lembro qual era o projeto original hehe. Lembro vagamente que queria fazer 4 ou 5 partes. Além disso, meu interesse na banda caiu muito também. Mas se vc entrar em contato comigo por e-mail (arybneto@outlook.com) eu até elaboro alguma coisa e te mando. Não posso fazer desfeita com os meus raros leitores!

      Excluir

Postar um comentário