Você pode estar andando por aí, sabe, e, do nada, apagar. Pode estar deitado, sentado, comendo, fudendo, sonhando, e apagar. É possível que você sinta uma coisinha antes, um estalo, uma dor, um choque na cabeça, um formigamento que vai crescendo até apagar. E daí você apaga junto, você some, sabe, é complicado. E a gente não sabe quando nem como vai acontecer, mas vai acontecer.
Agora imagina o tanto de coisa que a gente cria só por saber disso. O tanto de coisa que a gente é só por saber disso. O tanto de mentira que a gente conta. Imagina só. Às vezes eu penso nisso e dá até vontade de chorar. A vida da gente é isso aí, cara. É fugir disso ou correr pra isso, não tem muito o que fazer.
A gente vai ser apagado, cara, e não vai sobrar nada. Nem aqueles fiapinhos que a borracha deixa na folha de papel. Porque não tem folha, cara. Não tem folha, a gente é imaterial. E quando o ‘teco’ desliga sobra o quê? Vai tudo pro caralho.
Você faz isso tudo aí e do nada você some. Sabe o que é viver com isso entalado? Sabe o que é sentir essa ansiedade, esse medo, esse frio na barriga? Pois devia saber. Devia saber. Pior que isso só saber quando ia acontecer.
Sabe o mito de Pandora, a esperança que fica na caixa? A 'esperança" de que o mito trata pode nos confundir. Mito não é história da disney, com final feliz, o buraco é mais embaixo. A elpis grega não é esperança no sentido cristão: é expectativa, é projeção do futuro, e como só tem um destino que nos aguarda, a esperança grega é a prospecção da morte. Esperança é, sabendo que os males agora soltos vão te pegar, só pensar nisso. Esperança é conseguir sentir a morte chegando. Esperança é saber quando e como vai morrer. É a tragédia de Édipo e de sua família, é saber qual desgraça especificamente vai te pegar, cara, e não adianta fugir. Dos males do mundo, esse é o pior e é o que fica retido, pra nossa sorte. Essa é a relação que a gente tem com a morte e com a desgraça, a gente sabe que elas vão vir, que tão todas soltas por aí, mas não sabemos quando nem como elas vão nos pegar. De certa forma, é uma benção, é a benção possível neste mundo.
Provavelmente é melhor assim mesmo, sem saber quando vai vir. Imagina só, já ver de antemão, a coisa chegando e não poder fazer nada. Saber dessas coisas é hybris, sabe, é mais do que a gente pode suportar. É tipo ter superpoder, cara, se a gente tivesse superpoder a sociedade desmoronava num instante. A gente tem que saber esquecer também, cara, senão não dá. Mas é uma merda também, saca. Você pode estar andando por aí, sabe, e, do nada, apagar.
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Publicado originalmente no meu blog paralelo, punhesia. Eu nunca faço essa mistura de conteúdos, até porque os dois sítios tem finalidades bastante distintas. Esse foi um caso de fronteira, provavelmente o último, em que eu não soube a qual lugar esse texto pertencia, e senti que devia postar nos dois lugares.
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