É muito fácil para alguém do alto de sua alta-tecnologia de bolso do século XXI, séculos depois de Galileu e do iluminismo, milênios depois de Aristóteles, pensar que a cabecinha dos seres humanos acompanha deterministicamente o tempo em que eles nasceram, como se cada indivíduo estivesse no topo do desenvolvimento do conhecimento. E é realmente um engano muito fácil de se cair.
Um professor qualquer de história ou de filosofia, começa sua aula qualquer, em um lugar qualquer, citando como após tal período "o homem passou a pensar tal coisa de tal maneira". Esse tipo de generalização tem lá seu didatismo e, de fato, grandes mudanças no modo de vida tendem a gerar mudanças no modo de pensar, mas não é tão simples assim.
Nem tudo é tão linear e esse é exatamente o problema, pensamos tudo com uma linearidade que não existe de fato. Um pensamento novo e mais 'correto', não substitui outro mais antigo e mais 'incorreto' simplesmente porque algum 'Cabeça' em alguma universidade o formulou. É preciso um árduo trabalho e muito tempo até que um pensamento antigo e mitológico, ou simplesmente burro, morra, e se descuidarmos por um breve momento, ele volta à vida e mata a razão. Isso quando não são as próprias tecnologias da razão a reproduzirem a burrice. A burrice e a truculência são a regra e o setup da natureza, a razão é historicamente construída e conquistada, um espaço em disputa.
Esse próprio modo linear e teleológico de se olhar para a realidade, como se houvesse um desenvolvimento histórico inescapável da razão, onde um estágio necessariamente leva a um próximo, é um desses pensamentos burros que precisam ser combatidos: eis o que estou fazendo. O pior é que esse é um elemento fundamental no pensamento de alguns picas da filosofia ocidental.
Na prática, o que acontece é que isso tudo - passado e presente - coexiste, quase sempre de forma pouco pacífica. O ideário da revolução francesa coexiste com a patrística e com o pós-modernismo. Os direitos humanos coexistem com o Código de Hamurábi e com a pura selvageria. No mesmo tempo e no mesmo lugar.
Claro que muitas descobertas e insights nos mais diferentes campos acadêmicos, e mesmo fora deles, nos aproximam mais da 'verdade' (por mais que Foucault ainda esteja na moda, saber que a Terra é redonda, por exemplo, nos aproxima mais da verdade do que pensar que ela é plana). Mas dificilmente as "descobertas científicas" e seu debate saem da bolha acadêmica. Não chegaremos mais próximos desses "ideais elevados da razão" (tipo... não passar necessidade ou a superação dos problemas tolos causados pelo capitalismo) automaticamente, sem que se faça algo por isso. Neste ponto, se coloca a eterna luta pela revolução comunista educação. Uma geração mal-educada pode ser responsável por um retrocesso de um século e a história dá uma volta atrás de seu próprio rabo - e a astrologia continua existindo.
Ainda assim, a linearidade histórica só pode ser pensada enquanto abstração de um 'desenvolvimento teleológico da razão' (à lá Hegel mesmo), e quem se dispõe a fazer isso, se coloca num lugar suspeito, de quem vai dizer o que é mais ou menos avançado, mais ou menos certo. Alguns critérios de desenvolvimento são meio óbvios, mas nunca um consenso. Há sempre um contraponto em alguma curva do caminho, há sempre um excluído, um explorado e um injustiçado. Há sempre um meio duvidoso para um fim grandioso.
Não foram poucos que pensaram a sociedade em estágios, e talvez estejamos mesmo 'condenados' a pensar desse modo - pelo menos enquanto, subjetivamente, categorizamos as coisas moralmente. No momento que colocamos alguns valores acima de outros, que é algo natural e que constitui nossa individualidade, nossos gostos e preferências, nesse momento inescapável, criamos uma escada que leva a um ideal (somos todos mini Hegels). Afinal, sempre podemos pensar numa realidade melhor que a atual. Mas a realidade é bem mais complicada que qualquer ideal. Sempre mais complicada. E a história não leva nada a lugar nenhum, porque a história não é uma força - nós somos.
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