Tem na internet: a facada no mito (2018, documentário)

"A facada no mito" é um documentário produzido de forma bastante caseira. Pelo menos é o que se percebe em termos de edição, produção e divulgação. Ainda assim, viralizou instantaneamente, não somente pelo conteúdo que é de óbvio interesse nacional, mas também pelo ótimo trabalho de análise investigativa. 

Foi lançado no dia 22 de dezembro de 2018 num canal do youtube chamado "True Or Not", aparentemente feito com a única intenção de postar esse trabalho de forma anonima. O canal contém apenas teasers do documentário, o próprio documentário completo e o mesmo dividido em partes. Nenhuma voz aparece narrando o mesmo, do forma que somos guiados pelas imagens e pelas legendas.


O documentário questiona a veracidade do suposto atentado sofrido por Jair Bolsonaro durante uma passeata de sua campanha na cidade de Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018. Véspera do dia da independência do país e apenas um mês antes do pleito. A cirurgia, recuperação e bolsa de colostomia  do candidato, supostamente decorrentes do atentado, serviram de desculpa para o candidato faltar aos debates (seu ponto fraco), e a culpabilização dos opositores pelo ataque fez com que o candidato subisse nas pesquisas sem fazer nada. Além disso, a campanha do candidato foi feita com massivo uso de notícias falsas e declarações polêmicas ( e rapidamente contraditas), o que fortaleceria a tese do autor dessa ser mais uma (e a maior) farsa na campanha do candidato. 

No teaser, que começa com o presidente eleito segurando uma faca de churrasco e brincando com um amigo, que se ele o esfaqueasse com uma faca daquele tamanho, ele "seria presidente da ONU", somos apresentados às teses, ou melhor, dúvidas instigadas posteriormente no documentário: como o agressor, literalmente cercado pelos seguranças do então candidato, conseguiu se aproximar, falhar numa clara tentativa de ataque, sair como se nada houvesse acontecido, voltar e então efetivar a suposta facada? Porque ele parece interagir com os seguranças em diferentes momentos? Como se deu o sumiço da arma do crime? Porque os vídeos mais próximos (feitos por pessoas ligadas a Bolsonaro) não foram divulgados? Além das pistas que Bolsonaro já sofria de alguma condição no estômago. 

Já no documentário, num excelente trabalho de perícia, somos apresentados a mais algumas dúvidas advindas dos vídeos: a faca que vemos no vídeo não coincide com a apresentada como arma do crime; no momento da facada, podemos ver a faca, que na verdade é retrátil, se abrindo somente após o atacante desferir o "golpe"; mais movimentações suspeitas entre Adélio Bispo (o suposto agressor), os seguranças e outras pessoas próximas; os seguranças que pareciam mais preparados para proteger Adélio do que o próprio Bolsonaro; o modo como Bolsonaro parece se projetar para receber o "golpe" e a expressão de dor que se esboça antes do golpe enquanto o candidato olhava para o outro lado".

Após isso, o autor ainda apresenta alguns outros pontos que corroborariam a tese do falso ataque, como o fato de Adélio Bispo ser defendido por um escritório de advocacia pago por sabe-se lá quem. Mas o mais curioso é que o mesmo escritório, segundo o autor, também defende os policiais que se envolveram numa troca de tiros na mesma Juiz de Fora, numa transação completamente obscura poucos dias depois do ocorrido, no estacionamento do mesmo hospital em que Jair Bolsonaro foi atendido. Além do fato de dias depois ocorrerem duas mortes na pensão onde Adélio Bispo se hospedou.

Porém, esses outros fatos acabam soando mais como viés de confirmação para as teses apresentadas a partir da análises dos vídeos, que como prova definitiva de algum complô entre a campanha de Bolsonaro, os médicos e os hospitais onde ele foi atendido. A edição tosca, a falta de referências de algumas informações e o tom apolítico do documentário, por mais que ajudem numa divulgação massiva, diminuem a confiabilidade de algumas informações e limitam a utilidade política do documentário.

Ainda assim, não é nenhuma história mirabolante de um conspiracionista usando um chapéu de alumínio (estereótipo que combina muito mais com o olavismo ao qual o Bolsonaro e  seus bolsominions se filiam). No ótimo trabalho de perícia fica claro que há algo de muito podre no meio disso tudo. 

Sempre foi óbvio que um atentado seria muito benéfico à campanha de Bolsonaro, com sua retórica de medo e paranoia. Também era óbvio que o próprio Bolsonaro e as pessoas por trás de sua campanha não possuíam qualquer escrúpulo para atingir seu objetivo. Por isso, quando ouvi pela primeira vez sobre o ataque, minha reação instantânea foi afirmar: "fake".

Assim como o autor do vídeo, eu não sou neutro e sigo pela tese da farsa, pois se tem uma coisa que eu não subestimo, é a capacidade da direita e da elite brasileira - e em geral - de produzir farsas e golpes. Ainda assim, a resposta final fica, pelo menos por enquanto, para o público. True or not?

E  apertem os cintos vocês que me lêem em 2019, quando da escrita deste texto e da publicação desse singelo documentário. A história já se repetiu como tragédia e a farsa está apenas começando.



Deixo ainda o ótimo texto do site "a Coluna", analisando os pontos fortes e fracos do documentário: https://acoluna.co/calma-o-facada-no-mito-e-util-mas-talvez-nem-tanto/.


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