Percepções estrangeiras (japonesas) do Brasil a partir do álbum "Brasilian Skies" (1978), de Takanaka Masayoshi
1 - O artista
Takanaka Masayoshi é um guitarrista japonês. Ele tem uma sólida carreira solo desde os anos 70, década de seus melhores álbuns, como o Seychelles (1976) e o An Insatiable High (1977). Takanaka faz um jazz-fusion à japonesa, com muita influência do funk, da bossa nova, e muito uso de percussão, dando um ar 'tropical' e feliz às suas músicas, além de trazer aquela pegada lounge, de música ambiente, coisa que tem muito a ver com o Japão.
O estilo visual do Takanaka e sua atitude no palco também dizem muito sobre sua música. É desses artistas que, por mais que suas faixas sejam ótimas no estúdio, é no palco que ele brilha de verdade, literalmente. Ele é famoso por suas guitarras brilhantes e coloridas e roupas igualmente coloridas, bem ao estilo turista japonês, além do frequente óculos escuro.
Takanaka em seu estereótipo: roupa espalhafatosa colorida ou em preto e branco, como no caso, e guitarra combinando. |
Ou terno monocromático e guitarra da mesma cor. |
Às vezes ele aparece mais sóbrio com essa pegada de guitarrista sensual. |
E às vezes... |
Algumas de suas capas de álbuns vão no mesmo caminho, geralmente apresentam um Takanaka sorridente, em um cenário alegre e festivo, ou um fundo monocromático, com seu estilo visual característico.
Sua fender característica. |
Pernas abertas, expansividade, alegria. |
Jazz ostentação. |
Como não simpatizar com esse cara? |
A razão deste post. Nos atentaremos a esta capa mais a frente. |
Esse seu clipe de Blue Lagoon, talvez sua música mais famosa, exemplifica bem o casamento entre sua estética musical e visual, gerando essa tropicalidade jazzistica à japonesa. Riffs e escalas limpas e alegres, entre bateria, percussões e linha de baixo dançantes. Distorções leves nos solos e uso moderado de sintetizadores. No fundo, essa alternação entre cenário limpo e paisagens tropicais e litorâneas.
E como não pode faltar um exemplo de sua performance ao vivo, essa de Sexy Dance, que além de ser minha música favorita dele, exemplifica melhor a pegada sensual e mais jazzistica de algumas de suas músicas, além de ser interessante notar as mini palmeiras pelo palco e o 'pacote' visual que vem junto de sua música.
Isso tudo para dizer que o universo musical Takanatiano é esse: uma celebração da vida, feliz, festivo, espalhafatoso, dançante, ensolarado e com alguma sensualidade. É alguém que aparentemente curte muito o que faz e se curte muito enquanto o faz.
Eu conheci a obra do Takanaka, graças às recomendações do Youtube, cujo algoritmo, pelo menos em questão de me apresentar o sumo da música popular, tem sido muito generoso desde muito tempo. A partir daí não demorou muito para tomar conhecimento de seu álbum Brasilian Skies, de 1978.
2 - O álbum
Brasilian Skies não traz Brasil só no nome, conta com a participação de muitos brasileiros na execução instrumental do álbum, além de ter os coros, nas músicas que os tem, cantados por brasileiras. Outra curiosidade é o nome de Sakamoto Ryuichi, a lenda do Yellow Magic Orchestra, nas cordas e teclados do álbum.
Mas nos atentemos primeiro à imagética evocada pelo álbum, para depois passarmos às canções.
Primeiro, a capa.
Letras coloridas e o Takanaka felizão, sentado numa cadeira de praia na beira da... praia, de costas para o mar ao fundo, junto do céu azul. Com a mão esquerda ele aponta para a imensidão azul atrás dele, com um gesto que também pode ser visto como um sinal de positivo. As letras coloridas que formam um círculo ao redor de sua figura dão nome ao álbum e ao autor. Seu nome na parte de baixo, na praia, onde ele está, e o título do álbum, "Brasilian Skies", literalmente legendando o céu brasileiro, onde se supõe que a foto tenha sido tirada.
Porém, o Brasilian Skies, colorindo o céu, carrega uma dimensão simbólica própria, porque insere nesse dado natural que é o céu, outros significados. Um elemento evocado é o do arcoíro arco-íris, cobrindo magicamente o céu limpo. A percepção própria do Takanaka da cultura brasileira, quando impressa no céu, tem o efeito de um arco-íris - Algo, belo, alegre e colorido. Do mesmo modo funciona a relação entre céu e terra. No céu a exuberância natural e cultural do Brasil; na terra, Takanaka com o nome estilizado do mesmo jeito, se coloca como um avatar estrangeiro disso, um intérprete desse 'espírito'. Os arcos do 'Brasilian Skies se voltam para a terra, e os do Takanaka se voltam para o céu, se completam. Takanata nos convida assim a partilhar de sua experiência pessoal com o céu brasileiro.
Do mesmo modo há uma união de características naturais à características culturais. O Brasil, sua cultura e sua música se traduz a partir de sua natureza e o músico faz isso de um ponto de vista absolutamente positivo, numa idealização dessa mistura.
Do mesmo modo há uma união de características naturais à características culturais. O Brasil, sua cultura e sua música se traduz a partir de sua natureza e o músico faz isso de um ponto de vista absolutamente positivo, numa idealização dessa mistura.
A parte de trás da capa do álbum trás uma foto do Takanaka sentado com sua guitarra à frente e seus colaboradores brasileiros atrás, todos sorrindo. Os nomes das faixas acima e palmeiras dos lados, ressaltando a tropicalidade.
Essa outra imagem do álbum trás o guitarrista fazendo novamente seu sinal de positivo ao lado de uma barraca de frutas, com os nomes das faixas escritos abaixo, mas o destaque principalmente para a temática da natureza tropical, com bananas em destaque. O Brasil é esse paraíso tropical de céu limpo, clima gostoso, mar azul e natureza abundante e exuberante.
O álbum possui quase 50 minutos de duração, divididos em 8 faixas, todas escritas em alfabeto latino, exceto a última. A primeira é Beleza Pula, cuja transcrição é uma típica confusão japonesa sobre o R e o L, que parece até coisa da ficção de tão bem que cai no estereótipo. O primeiro som do álbum é um brasileiro gritando "beleza pura, malandro!", ao que se segue um samba carnavalesco com o coro cantarolando "laiá laiá" de um jeito calmamente japonês. Não tarda muito para que entre a guitarra dando o toque de jazz à música.
A segunda é a faixa-título. Brazilian Skies, na minha opinião, a melhor do álbum, é também uma faixa alegre, porém mais calma do que a primeira, guiada desde o inicio pela percussão e riffs alegres, logo seguidos de um coro que cantarola vocalizações, entre as quais "papapaia". Não à toa, nas apresentações ao vivo o guitarrista costuma jogar um mamão para a platéia ao fim da canção.
A terceira faixa, Nights, começa também pela percussão, porém enquanto o tambor faz esperar mais uma faixa animada, logo entra um violino anunciando uma balada. Mais uma vez há um coro com vocalizações. É a faixa mais sensual do álbum.
A faixa seguinte, I Remember Clifford, segue a anterior em seu andamento lento, é a primeira a começar sem percussão e começa como o que poderia ser uma bossa nova, não fosse a diferença de técnica e a guitarra elétrica. É a mais calma do álbum, mas soa mais nostálgica (como o "I remember" do título permite antever) do que propriamente melancólica, remete mais a um cenário chique do que a uma fossa - mais uma vez nessa vocação da música japonesa ao lounge.
Na faixa 5 o samba volta com tudo, e sim, Star Wars Samba é literalmente o tema de Star Wars revisitado como tema de escola de samba. Ver isso no álbum de um guitarrista japonês apenas te faz sentir feliz por estar vivo nesta época.
A partir daqui o álbum se "desbrasilianiza" um pouco, ou pelo menos o samba perde primazia. Na faixa 6, Disco 'B', suponho q o nome da faixa se deva ao fato dela estar no lado B do disco, além disso, ser uma música com uma pegada disco. Trocadilho musical que casa muito bem com o que já vimos até aqui do estilo do músico. A faixa seguinte, Funky Holo Holo Bird é mais uma faixa tranquila, os instrumentos imitam cantos de pássaros e a percussão volta a ter papel importante.
A última faixa é a única escrita em japonês 伊豆甘夏納豆売り (Izu Amanatsu Nattou Uri). Mais uma faixa calma, agora com uma conotação mais sensual e um piano ganha destaque.
E assim termina o álbum, um céu brasileiro colorido por samba, tambores, sons étnicos imitando a natureza, nostalgia, funk, jazz, dança e sensualidade. Pelos títulos em inglês e os coros vocalizados, sem articulação de uma língua específica, se nota o desejo de universalidade do álbum, ou sua pretensão de traduzir essa brasilidade takanatiana exatamente no que ela tem de universal.
3 - Contexto
Agora, olha que interessante o contexto. o álbum é de 1978, durante esse período o Brasil vivia sob o governo de Geisel, que marcou a lenta abertura após os primeiros sinais de crise e insustentabilidade do 'milagre econômico' da ditadura. Crise e ditadura. Contraste com o Brasil do álbum. Claro que essa exuberância natural e cultural sempre foi o foco de apelo do soft power nacional, eclipsando outras coisas igualmente (ou mais) definidoras de nosso país, como a miséria, o racismo, a precariedade, a violência e a desigualdade.
Na década anterior, a bossa nova ganhara o mundo. João Gilberto, Jobim e cia. Garota de Ipanema e Samba de Verão viraram grandes hits mundiais, 'universalizadas' (que não tem um sentido muito diferente de 'americanizadas') pelas versões em inglês feitas pelo Norman Gimbel (letrista de nada menos que 'Killing Me Softly With His Song'). E sabemos bem que o Brasil da bossa nova é esse mesmo Brasil idílico e sensual.
Esse tipo de vibe casa muito naturalmente com essa coisa do jazz de ser uma música cool, sofisticada, com ênfase no improviso, e muito mais focada no aspecto estético e sensorial da música do que com qualquer compromisso de retratação fiel ou denúncia da realidade. A bossa nova entregava ao mundo essa junção da suavidade do jazz com esse tipo de representação do Brasil, e que o Takanaka expressa tão bem.
A diferença é o aspecto melancólico que perpassa os trabalhos de Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto e afins. Takanaka é só alegria. Talvez por isso, diferente do que acontece com outros artistas japoneses, onde se vê muito mais a influência da bosa nova, com Takanaka é o samba que tem mais destaque, ou melhor, que define o tom do álbum, vide a faixa de abertura.
Do outro lado, o Japão, por sua vez, vivia sua melhor fase econômica. Crescera em média 10% nos anos 60 e 5% nos 70, tornara-se a segunda economia mundial. Culturalmente, por conta da invasão da cultura estadunidense no Japão do pós-guerra, ocupado pelos EUA, esse período também foi marcado pelo desenvolvimento da indústria cultural japonesa, globalizada e absorvendo todo tipo de influência ocidental. Florescia o animê sob as mãos de Tezuka Osamu, a música já estava ocidentalizada, bandas de rock, artistas de folk e jazz, o Yellow Magic Orchestra, com sua música eletrônica, lançava seu primeiro álbum também em 1978, o cinema japonês já tinha projeção mundial com Kurosawa, fora os Tokusatsus, sob a sombra de Godzilla.
A cultura visual moderna japonesa se maturava a plenos pulmões, processando todas as influências ocidentais e niponizando essas novas influências. Além disso, o Japão se colocava na vanguarda das novas tecnologias, ao mesmo tempo em que se tornava uma potência econômica mundial.
Nesse contexto, a nova classe média japonesa notabilizara-se pelo mundo no estereótipo do turista japonês: andando em bando, câmera no pescoço, o estereótipo de turista encarnado, alvo preferencial para extorsões de todo tipo.
Esse tipo de vibe casa muito naturalmente com essa coisa do jazz de ser uma música cool, sofisticada, com ênfase no improviso, e muito mais focada no aspecto estético e sensorial da música do que com qualquer compromisso de retratação fiel ou denúncia da realidade. A bossa nova entregava ao mundo essa junção da suavidade do jazz com esse tipo de representação do Brasil, e que o Takanaka expressa tão bem.
A diferença é o aspecto melancólico que perpassa os trabalhos de Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto e afins. Takanaka é só alegria. Talvez por isso, diferente do que acontece com outros artistas japoneses, onde se vê muito mais a influência da bosa nova, com Takanaka é o samba que tem mais destaque, ou melhor, que define o tom do álbum, vide a faixa de abertura.
Do outro lado, o Japão, por sua vez, vivia sua melhor fase econômica. Crescera em média 10% nos anos 60 e 5% nos 70, tornara-se a segunda economia mundial. Culturalmente, por conta da invasão da cultura estadunidense no Japão do pós-guerra, ocupado pelos EUA, esse período também foi marcado pelo desenvolvimento da indústria cultural japonesa, globalizada e absorvendo todo tipo de influência ocidental. Florescia o animê sob as mãos de Tezuka Osamu, a música já estava ocidentalizada, bandas de rock, artistas de folk e jazz, o Yellow Magic Orchestra, com sua música eletrônica, lançava seu primeiro álbum também em 1978, o cinema japonês já tinha projeção mundial com Kurosawa, fora os Tokusatsus, sob a sombra de Godzilla.
A cultura visual moderna japonesa se maturava a plenos pulmões, processando todas as influências ocidentais e niponizando essas novas influências. Além disso, o Japão se colocava na vanguarda das novas tecnologias, ao mesmo tempo em que se tornava uma potência econômica mundial.
Nesse contexto, a nova classe média japonesa notabilizara-se pelo mundo no estereótipo do turista japonês: andando em bando, câmera no pescoço, o estereótipo de turista encarnado, alvo preferencial para extorsões de todo tipo.
4 - Imigração e turismo
Como já dito, o soft power brasileiro sempre esteve baseado na exploração de suas características naturais. Desde a chegada dos portugueses, os primeiros relatos sobre o Brasil dava nota de suas maravilhas naturais e a historiografia contemporânea já possui algumas obras sobre os discursos construídos sobre, tanto esse maravilhamento, quanto ao status de terra de pecados, por conta da sensualidade que o clima tropical e a distância da "civilização" propiciava. 'O Diabo e a Terra de Santa Cruz', de Laura de Melo e Souza, e 'Trópico dos Pecados', de Ronaldo Vainfas, são exemplos.
Antes dessas obras mais críticas, é claro, temos os relatos dos viajantes europeus, recheados de comentários sobre a volúpia local, a iconografia de Rugendas e Debret, com grande destaque para o pitoresco da paisagem tropical e a relação racial ambígua, que os primeiros trabalhos sociológicos do país, como Casa Grande e Senzala, viriam celebrar.
O Brasil, durante o século XX muito se aproveitou disso. Desde suas tentativas de embranquecimento populacional com o estímulo à imigração, até na sua propaganda turística. No início do século XX, os cartazes de propaganda das empresas que agenciavam os trabalhadores imigrantes exploravam muito bem esse apelo.
Cartaz japonês da década de 20¹ incentivando a imigração ao Brasil. |
"Terra no Brasil para o italiano". |
Esse cartaz italiano, por sua vez, fala do "clima tropical, vida em abundância e riqueza mineral". O estereótipo do Brasil como esse paraíso exótico e exuberante é apelativo desde a colônia e continuaria sendo trabalhado nas décadas seguintes, deslocando o apelo da imigração para o turismo.
A grande iniciativa nesse sentido foi no governo Vargas, com o DIP, ao mesmo tempo em que o governo estadunidense emplacava sua política de boa vizinhança. Foi o primeiro momento em que o Turismo ganhou relevância na política pública nacional. O carnaval foi incentivado e capitalizado politicamente por Vargas enquanto movimento popular. A propaganda de Vargas ocupou-se de difundir os desfiles carnavalescos e o samba como exemplos de brasilidade, enquanto formas pensadas para se criar uma identidade e unidade nacional.
Os governos que se seguiram também deram atenção ao turismo. Kubitschek criou a Companhia Nacional de Turismo e em 1966 surge a Embraturaquela mesma que o Dória roubou, que até hoje é a autarquia federal que cuida de promover o turismo nacional.
A Embratur, por sua vez, insistiu pesadamente na retratação do Brasil como "paraíso tropical". Cristo Redentor, lindas mulheres seminuas, Sol, praias, cachoeiras, feijoada, futebol, carnaval. O Brasil era o Céu na Terra para o homem estrangeiro disposto a gastar dinheiro.
Uma dessas imagens do tour guide de 78 da Embratur (mesmo ano de lançamento do Brasilian Skies), viria gerar nos anos 80 uma outra que ficou famosa recentemente como exemplo do incentivo ao turismo sexual nesses tempos. A moça, esbelta, bronzeada, de bikini minúsculo e bebida na mão convida: see you there, te vejo lá (no BraZil).
Outros grandes momentos da Embratur incluem o episódio em que o João Dória Jr propôs transformar a seca nordestina em atração turística. Enfim, o turismo tem sido um instrumento para acobertar momentos tenebrosos da história do país, vendendo-o como paraíso ao potencial consumidor estrangeiro, ao mesmo tempo que, internamente, vemos cotidianamente cenários diametralmente opostos aos da propaganda.
A grande iniciativa nesse sentido foi no governo Vargas, com o DIP, ao mesmo tempo em que o governo estadunidense emplacava sua política de boa vizinhança. Foi o primeiro momento em que o Turismo ganhou relevância na política pública nacional. O carnaval foi incentivado e capitalizado politicamente por Vargas enquanto movimento popular. A propaganda de Vargas ocupou-se de difundir os desfiles carnavalescos e o samba como exemplos de brasilidade, enquanto formas pensadas para se criar uma identidade e unidade nacional.
Os governos que se seguiram também deram atenção ao turismo. Kubitschek criou a Companhia Nacional de Turismo e em 1966 surge a Embratur
A Embratur, por sua vez, insistiu pesadamente na retratação do Brasil como "paraíso tropical". Cristo Redentor, lindas mulheres seminuas, Sol, praias, cachoeiras, feijoada, futebol, carnaval. O Brasil era o Céu na Terra para o homem estrangeiro disposto a gastar dinheiro.
Capas dos guias turísticos de 1977 e 1978 da Embratur. |
Outros grandes momentos da Embratur incluem o episódio em que o João Dória Jr propôs transformar a seca nordestina em atração turística. Enfim, o turismo tem sido um instrumento para acobertar momentos tenebrosos da história do país, vendendo-o como paraíso ao potencial consumidor estrangeiro, ao mesmo tempo que, internamente, vemos cotidianamente cenários diametralmente opostos aos da propaganda.
5 - Síntese
A visão que o Takanaka compra e revende do Brasil se casa muito bem com a da propaganda da ditadura. Ainda que, naturalmente, case também com a da bossa nova e de muitas das nossas próprias expressões culturais. Creio que é preciso também separar uma narrativa quando criada artisticamente e o uso político que um regime qualquer faz dessa construção.
Também havia no samba muita gente crítica à ditadura e que também representava o Brasil sob signos parecidos. Porra, o Brasil do Jorge Ben, para mim, é ainda mais idealizado que o do Takanaka, e não digo isso como crítica, mas sim para mostrar que essa característica não é um defeito por si só. A representação positiva não é problemática em si. Como se vê pelo álbum do Takanaka, há realmente uma admiração pelo Brasil e pelos sentimentos estéticos que o país evoca no músico. Evidentemente, porém, não podemos perder de vista o que essa representação, querendo ou não, esconde e para quais fins ela é utilizada.
Fato é que os problemas nacionais não chegavam ao público externo, nem de perto, com a mesma força e apelo que as características nacionais exaltadas, de modo que não conseguiam manchar essa imagem idealizada do Brasil. No caso do Takanaka, Brazilian Skies é um elogio da tropicalidade, de uma alegria brasileira que é a antropomorfização de uma característica que é geográfica.
Outros álbuns japoneses da época traçavam essa mesma relação entre a tropicalidade, a sensualidade, a festa, o lazer, a alegria. E o motivo é muito simples. Isso remetia ao japonês, antes de tudo, a uma coisa que explica todo o resto: férias. O cenário tropical, junto das paisagens urbanas europeias e estadunidenses, era o cenário ideal das férias japonesas.
Dessa forma, obviamente se focava apenas nos aspectos positivos, idealizados desses cenários. O cenário tropical natural é um contraste com um Japão que se tornava uma "economia sem face", como diz Iwabuchi Koichi, sociólogo japonês. É isso que é celebrado pelo Takanaka e sua aparência de eterno turista.
Memories in The Beach House, dos Seaside Lovers, único álbum de uma união entre três músicos japoneses, entre os quais Sato Hiroshi, que é um dos meus favoritos, também gira todo em torno de uma celebração da tropicalidade sob os mesmos signos trazidos por Takanaka em Brasilian Skies. Destaque para as faixas Lovers Paradise (que é minha música preferida no mundo) e Evening Shadows (que não fica longe). Quando os japoneses evocam essa temática, ela tem sempre esses contornos de férias, de um tempo à parte, fora do tempo comum do cotidiano.
Por fim, é sempre bom ver um bom músico estrangeiro celebrando o Brasil, ainda que seja um Brasil misturado entre outros filtros culturais levados do Ocidente para o Japão (o Star Wars Samba dá uma pista disso). O Brasil que chega no Japão, muitas vezes já passou pelo filtro de exotização ocidental e já chega lá de segunda mão. Se por aqui sofremos do que o Edward Said chamou de 'orientalismo', exotizando a Asia, por lá, bem, nós somos 'orientalizados' de volta. De todo modo, é sempre bom ver um músico estrangeiro celebrando o Brasil.
Excelente artigo!
ResponderExcluirMuito obrigado!
Excluirque post maravilhoso
ResponderExcluirMuito obrigado pela gentileza!
ExcluirTexto bom da porra! Conheci o Tanaka hoje e estou fascinado pelo trabalho dele, o seu texto trouxe uma dimensão política e analítica que vai além do que pensei, excelente!
ResponderExcluirFico feliz tanto pelo elogio, quanto por um fã novo desse monstro haha. E que vai a fundo na obra ainda por cima!
ExcluirMuito bom obrigado pelo artigo!
ResponderExcluirMuito obrigado!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaramba, texto bom demais, valeu pela análise!
ResponderExcluirValeu pelo comentário!
ExcluirFantástico texto! Estou mergulhando no trabalho de Takanaka ultimamente e o seu texto acrescentou muito.
ResponderExcluirObrigado!
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