Bolsonaro, Lula e os opostos não-equivalentes

Uma das grandes estratégias do bolsonarismo (definindo vagamente as formas de poder e comunicação em torno da figura de Bolsonaro) é se colocar como um oposto do PT e da figura do Lula. Claro que não o PT real, ou o Lula real, mas o espantalho dos dois que foi forjado e alimentado durante pelo menos uma década na mídia hegemônica. 

Num primeiro momento, esse espantalho se constituiu na associação dos antigos arquétipos comunistas do "perigo vermelho" ao PT, um partido que, avaliando com alguma boa vontade seus anos no poder, podemos colocar, no máximo, na centro-esquerda.

Após o escândalo do "Mensalão", houve um esforço ostensivo de associar toda a corrupção e todos os problemas nacionais ao PT, que com todos os seus problemas, nunca chegou perto de ser o partido mais corrupto do país.

Por fim, no segundo governo Dilma, a associação do PT foi com a crise. O PT se tornou, nessa narrativa direitista, o "partido que destruiu o Brasil". Além da coisa toda da "ideologia de gênero", uma categoria que nem existe, quanto mais para ser ligada a um partido político.

Tendo Lula como arqui-inimigo, o grande representante de todo o mal nacional, o bolsonarismo se colocou como a antítese de tudo isso. Ou seja, o bolsonarismo é a falsa antítese de um falso inimigo. Porque, nem o PT equivale na realidade a esse espantalho direitista, nem o Bolsonaro e seus asseclas são o oposto desse espantalho.

Não foi uma estratégia nova do Bolsonaro, sua saída do baixo clero do congresso para o mainstream do debate político se deu através dessas falsas polarizações. Fosse contra o movimento negro, contra a democracia ou contra a "ideologia de gênero", sua estratégia, se é que era realmente uma estratégia, sempre foi se opor aos inimigos imaginários do Brasil podre, do Brasil da manutenção dos privilégios.

De Jean Wyllys e o PSOL, até Lula e o PT, a força do discurso bolsonarista sempre esteve num antagonismo violento contra as forças de esquerda, representadas como tudo que há de mal no mundo. Daí é bastante comum muitos desavisados, para criticar o Bolsonaro, começarem com "não sou petista, mas", ou "não apoio Bolsonaro nem Lula". 

Aí a desgraça está feita porque é uma falsa equivalência, Bolsonaro não é um oposto equivalente ao PT. Nem é um oposto equivalente a nada na política brasileira atual. É simplesmente o esgoto, o fundo do poço do que sobrou de pior da ditadura. Sem Bolsonaro, Lula existe tranquilamente, por si só. Já sem Lula, ou o espantalho do Lula, Bolsonaro volta a ser apenas o deputado ridículo do baixo clero.

Forjando essa falsa equivalência, o bolsonarismo se constrói por cima dos espantalhos que tem o PT como o mal encarnado. Isso quer dizer que uma pessoa despolitizada, mas que começa a perceber todos os problemas que Bolsonaro representa, antes de negar Bolsonaro, já negou por tabela o PT, Lula e a esquerda, pois crê que é o equivalente a Bolsonaro, "a mesma coisa só que de esquerda". E isso normaliza o bolsonarismo, ou, pelo contrário, desnormaliza a esquerda.

Por isso creio que é muito mais útil levantar bandeiras do que não as levantar por medo de assustar parte da população. O, "sem bandeiras" foi um dos erros de 2013 e foi o momento da virada do jogo que levou à nossa situação atual.

Não basta dizer "ele não", é preciso dizer o que é preciso haver no lugar dele, levantar bandeiras, mais do que negar bandeiras. Não existe vácuo ideológico e a antipolítica de 2013, como qualquer antipolítica, é a condição ideal para o crescimento da extrema-direita. Também não quero dizer que é preciso defender o PT especificamente, mas se não conseguimos assumir sequer um partido ou uma posição de centro-esquerda, o que dirá uma posição de esquerda propriamente dita. Em resumo, negar o PT como pré-requisito para atacar qualquer outra posição política é um péssimo sintoma.

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