O liberalismo opera por uma lógica interessante, que é a lógica da abstenção de responsabilidade por qualquer coisa que aconteça. Se as pessoas morrem de fome, de frio, de doença, ou mesmo mortas pelo aparato estatal, sob o liberalismo, isso é tratado como o mais absoluto fato inevitável da natureza. Se existe racismo, colonialismo, exploração, é uma dado da natureza sobre o qual nada se pode fazer. Não podia ter acontecido diferente, a culpa não é nossa. Ou, nas palavras de Bolsonaro,"e daí? Lamento, quer que eu faça o quê"? Porém, se alguma dessas coisas acontece num governo socialista, para além das falsificações históricas anticomunistas, para além das sabotagens imperialistas, imediatamente, e independente de qualquer condicionante, é prova de que o "comunismo não funciona".
Isso não quer dizer que sob um regime ou outro essas situações devam ser tratadas com naturalidade, o ponto é exatamente o contrário, essas manifestações de desgraças precisam sempre ser compreendidas dentro de sua historicidade, de suas causalidades e contextos sociais.
Tudo isso para falar sobre uma imagem que me chamou muito a atenção recentemente. Era um protesto em Detroit, nos EUA, uns meses atrás, contra o racismo e a brutalidade policial. Dois carros da polícia atropelam os manifestantes que tentavam bloquear a passagem dos carros, simplesmente ignoram e passam por cima. Outro evento idêntico a esse aconteceu no Brooklyn, conforme a imagem abaixo, que pode ser facilmente encontrada na internet, inclusive em vídeo.
A imagem me remeteu imediatamente a figura daquele famoso manifestante solitário chinês, no contexto das manifestações da praça Tiananmen, em 1989, que se colocou diante dos tanques de guerra da potência socialista. O tanque tenta desviar, vai para um lado, para o outro, mas sempre recua diante do homem. A mídia imperialista imediatamente tentou transformar o homem em um herói solitário contra o militarismo chinês. A mesma mídia da maior potência militar da terra, maior arauto de guerras no mundo contemporâneo. Acontece que o que essas imagens explicitam é que o racismo da polícia dos EUA é muito mais brutal que o tanque chinês.
Os mesmos EUA que tentam sabotar não só a China, mas qualquer tentativa de organização anti-imperialista, que depois de insuflar as tais manifestações em 1989 e falsificar diversos acontecimentos sobre o evento, ainda criaram a narrativa para demonizar o governo chinês sobre a "repressão" contra os manifestantes "pacíficos" na praça Tiananmen - narrativa que esse artigo do estadunidense Brian Becker, traduzido pela revista Ópera, desconstrói brilhantemente (https://revistaopera.com.br/2019/06/04/tiananmen-30-anos-depois-o-massacre-que-nao-foi/) - faz exatamente o que o governo chinês "ditatorial", não fez: passa por cima de seus cidadãos.
Eu imagino o que as forças estadunidenses não fariam se assim como os "pacíficos" manifestantes chineses "pró-democracia" (leia-se pró-EUA), os manifestantes antirracistas também tivessem brutalizado os policiais, queimado os carros e buscado romper a ordem constituída. Aí sim ocorreria um massacre. A polícia dos EUA parece representar para a população negra daquele país, o mesmo que os EUA como um todo representam para o resto do mundo, especialmente os países pobres e com governos que não se dobram aos seus interesses.
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