Mergulho

O passado não só existe como muitas vezes é importantíssimo mergulhar no passado. O presente não é continuum nenhum entre um passado que já foi e um futuro que ainda não é. O passado existe dentro do presente. Mergulhar no passado é mergulhar numa camada mais profunda do próprio presente e de nós mesmos. 
Pelo menos essa é a sensação que eu tenho de vez em quando, ao ver um grande filme do passado, ou escutar um grande álbum, ou ler um grande livro, ou algo do tipo. É quando sinto que aquilo mexeu comigo como raramente coisas do presente mexem com a gente, porque não se fazem grandes obras assim o tempo todo. 

Às vezes eu me acho muito voltado para o passado, corro o risco até de desdenhar muito do que se produz hoje, mas quando eu penso na quantidade de coisas incríveis atrás de mim e que eu ainda não vi, chega a dar vergonha de não ter mergulhado mais ainda. 

Não quero erigir nenhum monumento nem nada disso, não estou assumindo o passado como uma instância sagrada, nem nostálgica. Como disse, estou tomando o passado sobretudo como parte do presente. Sem esse senso de que existe um mundo todo atrás de nós, a gente fica muito autocentrado - mergulhar no passado é tomar conhecimento do que está dentro de nós e nem sabíamos.

Mesmo que seja só para bater, para achincalhar, acima de tudo para se divertir: é importantíssimo mergulhar no passado.

Enquanto prática, mergulhar no passado é algo que requer fôlego, capacidade pulmonar, que se ganha quanto mais se mergulha. A princípio, um filme da década de 30 vai parecer insuportável. Você assiste dois minutos e fica sem ar. Há o anacronismo, você espera que os heróis e vilões sejam como os de hoje, que a linguagem seja como a de hoje. Mas, com o tempo, você está quase respirando embaixo d'água, capaz de ir até os limites da pressão que o corpo pode aguentar.

E aí a gente volta pra superfície e espirra tudo, igual baleia.

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