Matrix e os fenômenos pop como termômetros políticos



Matrix foi um dos últimos grandes fenômenos pop antes do cinema de massa virar esse parque de diversões de super-herói. Era uma época onde ainda se olhava pro futuro como algo possível, disputável, mesmo que distópico. Ainda havia esperança em Matrix. Bastava tomar a pílula certa. Não é por acaso que termos como redpill e blackpill, derivados de alguma forma do filme, entraram no vocabulário político, ainda que de maneira muito diferente do que as autoras pretendiam.

O motivo dessa fagulha de esperança em matrix, como foi de toda cultura woke do início dos anos 00, era a internet, a ciência da computação e a tecnologia, que ainda eram vistas como um instrumento de libertação fora da política, uma vez que a via política teria sido destruída com o fim do socialismo soviético.

Porém, como é comum para um fenômeno pop, os termos mais radicais de Matrix foram apropriados pelo vocabulário da extrema direita mais tacanha da internet, aquela mesma internet que era a fagulha de esperança e resistência, a internet onde Neo era o grande hacker. Como sempre, uma leitura liberal de mundo não poderia estar mais errada.

Com o realismo capitalista, como coloca Mark Fisher, que é a ideia de que não há alternativa possível ao capitalismo liberal após o fim da Guerra Fria, o futuro virou um simulacro do futurismo dos anos 80, uma nostalgia de um futuro que não foi. Os super-heróis serem o grande fenômeno cultural desse mundo sem futuro diz muito sobre o estado das coisas e sobre o que esses heróis representam. A sustentação idealizada da hegemonia estadunidense, uma regressão a um maniqueísmo moral e infantil, e a repetição ad infinitum de temas dos quadrinhos dos anos 80 e 90, logo após o fim da guerra fria, deixando a produção cultural nesse loop narrativo, que reencena a hegemonia definitiva dos EUA.

Entre outras coisas, por isso sou entusiasta da ascensão chinesa. É um pingo de esperança para acabar com essa hegemonia que tem mantido o estado do mundo nessa estagnação sufocante e desesperadora, enquanto marchamos para o abismo.

No entanto, enquanto a China alcança os EUA na economia e, consequentemente, na política, culturalmente a hegemonia ainda é norte-americana, sem horizonte de mudanças. O pop japonês e coreano ainda conseguiram penetrar no mercado mundial, porém como elemento agregador à ordem das coisas. A mensagem ideológica, salvo as particularidades nacionais e de uma ou outra obra fora da curva, serve aos mesmos propósitos gerais.

Caso superemos esse estado de coisas, é muito possível que o subtexto central do próximo fenômeno pop diga respeito, ou à ameaça iminente da perda de hegemonia estadunidense, que deve ser representada como um fim de mundo causado pela China, ou uma abertura a essa nova realidade, se é que ela se concretize, uma vez que dentro da própria China a luta entre o fortalecimento do socialismo e a abertura ao capital não está ganha.

De Matrix para V de Vingança foram dez anos, daí para a culminância da hegemonia dos super-herói, mais dez. Foi a saída do fenômeno de subtexto político libertário, para o mundo insosso dos quadrinhos. Sem dúvida nenhuma um ciclo degenerativo. Alan Moore, apesar de esquerdista, viu sua obra servir a esse tipo de finalidade ideológica e ficou amargo. A obra dele serviu de trampolim para a despolitização e o sequestro de pautas pela extrema-direita.

Se Matrix 4 vai abraçar o parque de diversões do fim do mundo, ou apresentar essa fagulha de esperança que seria a repolitização do pop (dessa vez, espero utopicamente, sem dar margem à apropriação da mensagem pela direita), será um termômetro do que está por vir. Eu duvido que as Wachowski tenham superado a visão liberal de mundo. A tendência é permanecer no erro.

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