Contra uma certa sensibilidade

 Há certos autores que revestem o mundo de suas histórias com uma poesia vibrante. Detesto-os. Não pessoalmente. Melhor seria dizer que detesto essa sua mania. Ver toda a linguagem do absurdo poético proferida pelas personagens mais convencionais torna tudo muito difícil de acreditar. Um policial não fala assim, e tenho certeza que aquela senhorinha sem graça também não. Eu vejo suas linhas e suas mãos de títere por cima de tudo. Vejo todas as suas personagens repetindo sua mesma relação rebelde com as palavras, até as mais reacionárias. Como se a beleza do mundo dependesse de uma constante inversão de sentido e surpresa aristotélica. Pois ainda que dependa, o que eu discordo completamente, uma coisa é certa: não é 0,001% das pessoas que têm essa relação com as coisas. Falta a esses autores entender que nem todos são rebeldes. No mundo de delírios de linguagem desses autores, o mundo convencional não consegue penetrar.

É um defeito de leitor do meu lado, devo admitir. Muitas vezes tenho essa dificuldade de comprar a fantasia alheia, onde todos carregam essas pequenas sementes do criador de forma mais ou menos intensa. Claro que essa manipulação da linguagem é bonita, daquela beleza de uma criança que interpreta um dito popular à sua própria maneira. Mas eu convivo com as pessoas. A esmagadora maioria delas perde essa agência infantil. Se misturam na multidão, têm medo de errar, têm medo de ser elas mesmas, que dirá de usar suas próprias palavras. Decoram um alfabeto, um mundo, suas leis e as repetem como se tivessem saído de suas próprias cabeças. Perdem contato com sua loucura e são completamente subjugadas pela loucura alheia. Além disso, acaba com a suspensão de descrença ver o mesmo tipo de loucura governando todas as personagens, especialmente quando as histórias possuem alguma pretensão de realismo. Eu não tenho dúvida de que os maiores talentos poéticos se perdem nos descaminhos da sociedade, nunca reconhecidos, e que o mundo está repleto de "santos anônimos", mas tudo tem limite.

É por isso que eu detesto certos autores. São seres de compreensão muito incompleta. Não conseguem conceber o banal em toda sua banalidade, tão preocupados em subverter tudo, em sublimar tudo, em transformar tudo em beleza, em caos primordial. Tão preocupados em esbanjar sensibilidade nas situações mais cotidianas, que o próprio cotidiano lhes escapa naquilo que possui de mais essencial: a feiura desinteressante da mediocridade.

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