Israel e Palestina: do "doisladismo" à solução final

Hoje é mais do que óbvio, até para quem acabou de voltar da Lua, que o Estado Sionista de Israel é o Estado Terrorista mais violento, perigoso, mentiroso e canalha do mundo, que realiza um genocídio em Gaza, aterroriza países vizinhos e força situações de guerra. Apoiado incondicionalmente pelos EUA, Israel se comporta como um cachorro louco no Oriente Médio. Mas, quem cresceu nos anos 90 e 2000, cresceu num cenário onde, sempre que a situação na Palestina aparecia, era num esforço de equalizar Israel e Palestina: a tensão na região, para o público comum, era explicada por dois lados equivalentes, islâmicos e judeus, que brigavam por religião e por uma herança que podia ser igualmente contestada. Ignorava-se toda a história. Os massacres, nakba, sionismo, os assentamentos ilegais, a quebra de acordos como o de Oslo por parte de Israel, a atuação monstruosa do Mossad, o apartheid, o esforço de Israel de impedir a criação de um Estado Palestino, os planos de expansão, os vetos dos EUA no Conselho de Segurança da ONU, sempre favorecendo Israel e piorando as condições dos palestinos. Com a "Guerra ao Terror" atingindo seu auge a partir da invasão do Iraque, aí é que a situação foi ainda mais aproveitada para propagandear essa correlação de forças inexistente. Israel passou a ser tratada na mídia como um farol de liberdade e democracia numa região tomada por grupos terroristas. Um "Estado Contraterrorista".

É curioso que essa versão da história, de uma igualdade de erros entre os dois lados, era feita pelo lado favorável a Israel e à ideia burguesa de democracia, como a indústria de Hollywood, e por próprios judeus que tentavam limpar a barra israelense tanto quanto possível, em alinhamento com a política estadunidense de ter em Israel seu posto avançado no Oriente Médio. Exemplos fáceis da reprodução desse discurso em Hollywood são You Don't Mess With The Zohan, filme do Adam Sandler, ou Bruno, de Sacha Baron Cohen, ambos judeus, e ambos filmes do final da década de 2000. Era a versão da história cozinhada especialmente para o público estadunidense e seus refratários no "Ocidente", "defensores da democracia". 


Zohan (Adam Sandler) e sua contraparte palestina, "Phantom" (John Turturro), no filme de 2008.

É curioso porque, se você realmente está com a razão numa situação, nunca vai querer pintá-la como "mas fulano está tão errado quanto eu". Os palestinos eram apresentados como terroristas e os judeus como "contraterroristas", e ficava por isso mesmo, uma história sem início e uma luta sem justificativa, apenas violência gratuita por diferenças mesquinhas, bastava dar as mãos, cantar e tudo se resolveria. A imprensa também fazia sua parte, escondendo a história, mostrando os contra-ataques dos grupos de resistência palestinos como os provocadores das tensões, e sempre reforçando o lugar histórico de vítima dos judeus. O sionismo nadou de braçada nesse vitimismo para realizar todo tipo de crime e construir, tijolo por tijolo, a situação atual de genocídio aberto do povo palestino.

Aqui, Tim Minchin, numa de suas canções engraçadinhas, reproduz o mesmo tom "doisladista" dos liberais do Ocidente sobre o tema da Palestina.


Mais recentemente, enquanto o fascismo voltava à ordem do dia, esse discurso de "dois lados igualmente errados" foi sendo abandonado aos pouquinhos. Os nazi-sionistas (ou nazionistas) de Israel, da laia do Netanyahu, foram se aproveitando para trocar a ordem do discurso, e com o fim do que restava de verniz democrático nos EUA, a partir da eleição de Trump, partiram para a ofensiva: a tomada definitiva de territórios ocupados ilegalmente, tentativa de expansão e mudança de regime em países vizinhos, e aniquilação do povo palestino. À medida que a máscara de defesa da democracia caía nos EUA, no posto avançado do império no Oriente Médio, a máscara do doisladismo também caía. E, se nos EUA, a solução final é a deportação de imigrantes; em Israel, como os imigrantes são os próprios judeus, a solução é... A solução final de fato: exterminar a população local, a população que já estava ali antes dos colonos israelenses. O termo, que surgiu no próprio genocídio que os judeus sofreram na Alemanha setenta anos antes, agora serve para denominar as próprias ações do "Estado judeu". Um etno-Estado em pleno século XXI. E aí, aos que não se encaixam na etnia dominante do Estado, apartheid. Esticando a corda e não encontrando resistência: genocídio.

Parte do plano israelense, inclusive, envolve forçar situações de resistência violenta, para poder pregar a pecha de "terroristas" mais facilmente nos palestinos, justificando assim qualquer violência do Estado Sionista. Por exemplo, é amplamente documentado que Israel já sabia do plano do Hamas do 7 de outubro, e mesmo assim não tomou nenhuma atitude, já planejando utilizar o ataque do Hamas como justificativa para um genocídio. Ainda criou fake news, como a "decapitação de bebês" por parte do Hamas, tentando buscar apoio internacionalmente para qualquer tipo de resposta violenta contra Gaza. Não apenas isso, mas ajudou a criar o próprio Hamas, como tentativa de enfraquecer a OLP, grupo moderado que liderava a política palestina.

Ainda há quem utilize o discurso canalha baseado na Torá, de que aquela terra pertence ao povo judeu "porque Deus quis". A desculpa é sempre a mesma. Portugueses a usaram aqui no Brasil, enquanto matavam "os selvagens" e tomavam suas terras, desculpa que foi usada no continente americano como um todo. Na África, na Ásia na Oceania, sempre igual. Tudo em nome de espalhar a fé e a civilização - nesse mesmo sentido Israel costumava ser retratado como "a única democracia do Oriente Médio", quando a palavra mágica "democracia" ainda importava. O que vemos hoje na Palestina é a repetição do colonialismo, uma vez que o sionismo é apenas mais uma versão do projeto colonial europeu. E o projeto colonial pode até conseguir se disfarçar por algum tempo para os incultos, mas sempre acaba mostrando sua verdadeira face: o latrocínio da população indígena. Após o roubo, a "solução final".

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