Deserto digital

 Qualquer um que já elaborou qualquer mensagem, sabe do inevitável da comunicação: você não será ouvido, se falar. Não será lido, se escrever. Não será compreendido, se lido ou escutado. A compreensão de uma mensagem requer atenção e esforço. Ambas as qualidades estão fora da ordem do dia no nosso capitalismozinho de fim dos tempos. A menos que a atenção e esforço dispendidos tragam dinheiro, recompensem monetariamente, alimentem o delírio neoliberal de fim dos tempos de que "todos podem ser milionários", e mais do que isso, de que "todos DEVEM DESEJAR ser milionários".

Ser entendido requer esforço e atenção porque a elaboração de uma mensagem requer esforço e atenção. Não basta que eu repita "economia dos desejos no capitalismo", e esperar que eu seja entendido por todo mundo. Eu preciso "chegar lá", preciso escrever três paragrafozinhos, preciso montar uma historinha. Tal como na interação sexual, é preciso preliminares. Quem, porém, ainda é capaz de se excitar com esse tipo de preliminar? Os feeds oferecem gozo pleno e imediato. E se o gozo ameaça diminuir, você faz um movimento de dedo, estimula o órgão genital do dispositivo, e ele logo te mostra outro vídeo que te renova o gozo anterior. Não é preciso esforço nem atenção. Goza-se o dia inteiro assim mesmo.

Quem tem algo a dizer, ou submete-se à economia dos desejos, ou encontra gozo na solidão, silêncio e ausência dos desertos digitais - que são esses espaços da palavra escrita.

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