Toda a filosofia moderna está baseada em ideais humanistas. O iluminismo pretendia varrer as sombras do obscurantismo para debaixo do tapete da história. A luz de sua lâmpada provinha da razão; a ciência era o seu método, a liberdade, o caminho; a fraternidade, o fim. Tudo pelo bem da humanidade. Chegou-se a anunciar um novo homem que nasceria do novo mundo, livre de superstições, opressões, atrasos.
Todos esses lindos ideais conviveram com alguns dos episódios mais violentos da história humana. Os ideais do iluminismo conviveram com o horror do capitalismo industrial e financeiro, com a escravidão, com o imperialismo, com o fascismo. A história não é linear, e enquanto algumas forças que buscavam universalizar o evangelho iluminista; outras buscavam limitar seu alcance a um grupo seleto: a nação. A nação surge na modernidade como o grupo ao qual a humanidade é plenamente reconhecida. Mesmo as forças mais destrutivas se escondiam sob esses ideais. Mesmo as forças reacionárias, se justificavam por identificarem no Antigo Regime a real ordem natural benéfica da humanidade - o verdadeiro humanismo.
Após a Segunda Guerra Mundial, as filosofias críticas do iluminismo e da modernidade ganham importância, desde a teoria crítica ao pós-estruturalismo, essas novas correntes se caracterizavam por questionar os próprios ideais do iluminismo. De certa forma, essas conceituações eram a tentativa de apreensão filosófica de um sentimento que já ganhava força socialmente: a desesperança total na humanidade, a compreensão de que a dita sociedade racional que foi se construindo desde o Renascimento estava num beco sem saída.
O rigor objetivo anterior foi dando lugar às "narrativas" e a realidade foi substituída pela linguagem. A pretensão anterior de universalismo foi fragmentada, cada grupo com sua micro-identidade, sua micro-verdade e suas micro-reivindicações. Sobre todos, o capitalismo, que não importava o que acontecia, sempre parecia prevalecer como uma força sobre-humana, como um princípio inescapável. Qualquer tentativa de escape do capital desaparece sobre essas filosofias pós-modernas. Surgem duas posições, ambas visões tenebrosas sobre a própria humanidade: uma completamente cínica, que celebra o caos, a esquizofrenia, a livre expressão de uma micro-identidade diante do caos inexorável da vida; outra completamente negativa, que quer o fim da humanidade, um trans-humanismo, a aceleração dos processos do capitalismo que leve ao fim da humanidade: ou no cataclismo, ou na emergência de uma nova ciberhumanidade.
É nesse último tipo que eu quero me focar. Forças que antes estavam muito suprimidas parecem ter finalmente se libertado da sombra do iluminismo, como um selo apocalíptico que se rompe. Essa força encontrou no surgimento de uma casta de bilionários da tecnologia, que tentam capitalizar politicamente seu poder econômico, seu receptáculo ideal. Nessa nova sociedade hiperconectada, querem se prefigurar novos senhores feudais, novos reis. Cada feudo representado em suas plataformas, que mediam as novas relações sociais com seus algoritmos, encantamentos alquímicos que só eles conhecem. Se o cercamento do espaço físico deu origem ao capitalismo, o cercamento do espaço digital deu possibilidade para um novo feudalismo. Para que isso seja possível, precisam de duas coisas: destruir o que foi consolidado no iluminismo (o humanismo) e se colocarem como pioneiros de uma nova forma, não somente de indivíduo, mas de espécie.
"Pensadores" como Nick Land, que defendem um "iluminismo negro", um aceleracionismo onde as forças do capital acabem de vez com a humanidade e a vida inteligente orgânica, e a substituam por uma nova forma trans-humana, mecânica, são essa sombra que agora quer sair à luz do dia. O que algum tempo atrás seria tomado como psicopatia, ou simplesmente amargor pessimista, agora é instrumentalizado por pessoas como Peter Thiel e afins, na medida em que servem aos seus interesses de se coroarem reis dos feudos digitais, enquanto esses feudos vão colonizando o próprio mundo físico.
Esse é o estado atual da filosofia ocidental. O "ocidente" padece como se estivesse possuído por um demônio. Esse espírito sombrio, anti-humanista, pautado no ódio, na volta da afirmação do homem branco como superior e como arauto de uma nova humanidade - não mais no sentido positivo de um salto de qualidade de vida, mas de uma não-humanidade, que vai surgir após a destruição do mundo. É a volta do obscurantismo escatológico, só que agora com inteligência artificial e bomba atômica, e destituído de metafísica. Se no século XIX Nietzsche anunciava que Deus morreu, agora sua sombra surge do corpo putrefato e maquina por trás da direita global. Se as luzes da modernidade tinham "matado Deus", na pós-modernidade, Satan aproveita essa ausência e busca controle. Esse obscurantismo pós-moderno mobiliza todas as forças reacionárias, usa os cristãos à sua conveniência, usam o sentimento racista à sua conveniência, e constroem seus bunkers em ilhas remotas enquanto vão avançando na sua ideia de destruir o mundo para forçar um salto tecnológico, num novo mundo onde serão ciber-faraós. Fica evidente como esses homens, figuras como Thiel, Musk, Zukerberk, etc, são fracos e psicologicamente muito débeis, aterrorizados com a ideia da própria fraqueza. Homens assim são campo fértil para os piores complexos e é aí que a sombra faz a festa.
Em uma live, uns anos atrás, algum idiota perguntou para Olavo de Carvalho qual era o seu objetivo. O velho broxa respondeu que era "fuder tudo". Ele disse assim mesmo, sem um pingo de vergonha, blatantly, seriamente. O chat ficou meio sem jeito, tentando interpretar, já que seu público era principalmente de "cristãos" meio aparvalhados, mas não tem interpretação, a finalidade deles é essa mesma. Nick Land, Curtis Yarvin e os techbros tem a mesmíssima posição niilista-suicida e os seguidores aparvalhados ainda estão meio sem jeito, tentando interpretar, mas não tem interpretação. Essa mistura de pseudo-filosofia europeia de chan (anti-humanista e reacionária, de figuras como Nick Land) e capitalismo tecnocrático, é o que modela o algoritmo que você usa desde que acorda, até a hora em que vai dormir. Eis a forma atual de Satan.
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